Capítulo 6

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A GLÓRIA DA CRUZ

 

É provável que o leitor apressado chegue à conclusão que existe uma divisão natural entre o quinto e sexto capítulo, de tal um modo que a última parte se refere a aspectos práticos da vida espiritual, enquanto o primeiro expõe doutrinas teóricas. É um grande erro. Nada  na Bíblia é mera teoria; tudo é ação. Não há na Bíblia qualquer coisa que não seja profundamente espiritual e prático. Ao mesmo tempo, tudo é doutrina. Doutrina significa ensino. O que conhecemos por “Sermão” do Monte é de fato pura doutrina, já que abrindo sua boca  lhes ensinava, dizendo...” Alguns parecem sentir uma tipo de desprezo pela doutrina. Se referem a ela com leviandade, como se pertencesse ao reino da teologia especulativa e fixasse um contraste com o prático e diário. Os tais desonram sem conhecer a pregação de Cristo, que era pura doutrina, posto que Jesus sempre ensinou às pessoas. Toda a verdadeira doutrina é intensamente prática; é dado ao homem com o único propósito de que a ponha em prática.

A confusão precedente se deve a uma eleição questionável das condições. O que alguns chamam de doutrina, e que tacham – com razão – de não prática, não é de fato nenhuma doutrina, mas sim sermão vulgar. Não há no evangelho nenhum lugar para ele. Nenhum verdadeiro pregador do evangelho dará jamais “um sermão”. Se faz isto é porque decidiu fazer alguma coisa diferente do que pregar o evangelho durante algum tempo. Cristo nunca pregou sermões. O que fazia era oferecer doutrina a seus ouvintes, ensinar-lhes. E “todo aquele que prevarica, e não permanece na doutrina de Cristo, não tem a Deus. E o que permanece na doutrina de Cristo, tem o Pai e o Filho” (2 João 9). Assim, o evangelho é todo ele doutrina, é instrução que vem da vida de Cristo.

A última seção da epístola revela seu objetivo claramente. É não prover o material apropriado para a controvérsia, mas pôr um fim, levando os leitores  a submeter-se ao Espírito. O propósito  é restabelecer os que estão pecando contra Deus, enquanto eles tentam serví-lo por seu próprio e defeituoso modo, e os levar a serví-lo verdadeiramente, em novidade de Espírito. O argumento da seção precedente da epístola gira ao redor da verificação de que só é possível escapar das obras da carne (que é pecado), por meio da circuncisão da cruz de Cristo: servindo a Deus no Espírito, e não pondo a confiança na carne.   

 

1   Irmãos, se alguém algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, encaminhai o tal com espírito de mansidão; olhando por ti mesmo, para que não sejas também tentado.

 

Quando os homens começam a fazer-se justos a si mesmos, o orgulho, a jactância e o espírito de crítica os levam à disputa aberta. Aconteceu deste modo aos gálatas, e acontecerá deste modo sempre. Não poderia ser de outra maneira. Cada indivíduo tem sua própria concepção da lei, a fim de ser ele mesmo o juiz. Não pode evitar examinar os irmãos  tanto quanto a si e conferir se eles alcançam a altura devida, de acordo com sua medida. Se seus olhos críticos descobrem um que não caminha de acordo com a regra, cai imediatamente sobre o ofensor. Os que estão cheios de justiça própria se levantam em guardar a seus irmãos até o ponto de mantê-los distante de sua companhia, para não contaminar-se entrando em contato com eles. Em contraste marcado com este espírito, tão comum na igreja, achamos a exortação com que o capítulo começa. Em vez de ir à caça de faltas para condenar, temos que ir em busca de pecadores para salvar.

Deus disse a Caim: “Se fizeres certo, não serás aceito? Mas se não trabalhares bem, o pecado está à porta para dominar-te. Mas tu deves dominá-lo” (Gên. 4:7). O pecado é uma besta selvagem que se esconde, esperando a menor oportunidade para atacar e vencer ao descuidado. É mais forte que nós, mas fomos dotados de poder para o dominar. “Não reine o pecado em vosso corpo mortal” (Rom. 6:12). Porém, é possível (não necessário) que conquiste até o mais cuidadoso. “Meus filhos, isto lhes escrevo para que não pequeis. Mas se alguém pecar, temos  advogado perante o Pai, Jesus Cristo o Justo. Ele é a vítima por nossos pecados. E não só pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro” (1 João 2:1 e 2). Deste modo, embora a pessoa possa tropeçar, é restabelecida; não é rejeitada.

O Senhor apresenta o trabalho  por meio do pastor que procura a ovelha que se perdeu. O trabalho do evangelho tem uma natureza individual. Até mesmo pela pregação do evangelho milhares podem aceitá-lo em um só dia, o sucesso depende de seu efeito no coração de cada pessoa. Quando o pregador que fala a milhares chega individualmente a cada um deles, está fazendo o trabalho de Cristo. Deste modo, se alguém cai em uma falta, restabeleça-o com espírito de mansidão. Não há tempo que possa ser tão precioso, embora se considere desperdiçado, que o dedicado para salvar ainda que uma única pessoa. Algumas das verdades mais importantes e gloriosas das Escrituras, foram comunicadas por Cristo a uma única alma. O que se esforça procurando a ovelha solitária do rebanho, é um bom pastor.

"Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, e não atribuindo aos homens seus pecados. E nos encarregou a palavra da reconciliação” (2 Cor. 5:19). “Ele mesmo levou nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro” (1 Ped. 2:24). Não nos imputou nossos pecados, mas o levou todos eles em si mesmo. “A calma aplaca a ira” (Prov. 15:1). Cristo vem a nós com palavras de carinho para ganhar nosso coração. Nos chama para que nos acheguemos a Ele e achemos descanso, de forma que trocamos nosso jugo amargo de escravidão para o jugo fácil de sua carga leve.

Todos os cristãos são um em Cristo, o Representante do homem. Então, “como ele é, assim somos nós neste mundo” (1 João 4:17). Cristo estava neste mundo como um exemplo do que os homens deveriam ser, e do que os verdadeiros seguidores  são quando se consagram a Ele. Diz aos seus discípulos: “Como me enviou o Pai, igualmente eu também vos envio” (João 20:21). É com este objetivo que os reveste de seu próprio poder por meio do Espírito. “Deus não enviou seu Filho ao mundo para  condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (João 3:17). Então, não nos envia a condenar, mas a salvar. Daí a repreensão: “Se alguém tem caído em alguma falta... restaurai-o”. O âmbito da exortação não se reduz aos que nos associamos na igreja. Nos envia como embaixadores de Cristo de forma que roguemos a todo homem que se reconcilie com Deus (2 Cor. 5:20). Nenhuma outra ocupação no céu ou na terra comporta uma honra maior que a de ser embaixador de Cristo, e é de fato essa tarefa que é dada até ao mais insignificante e rejeitado pecador que se reconcilia com Deus.

 

" Vós que sois espirituais”   

Só para estes é recomendada a restauração dos que caíram. Nenhum outro pode fazer isto. O Espírito Santo há de falar por meio dos que têm que repreender e corrigir. É o mesmo trabalho de Cristo, e é somente pelo poder do Espírito que alguém pode ser sua testemunha.

Mas isto, talvez, não seja um ato da maior presunção, que alguém possa restabelecer um irmão? Não equivale pretender que esse alguém é espiritual?

Verdadeiramente não é uma questão banal o estar em lugar de Cristo, perante o homem caído. O plano de Deus é que cada um se cuide: “Cuidando para que você também não seja tentado”. A regra que aqui é exposta é calculada para produzir um reavivamento na igreja. Assim que alguém caia em alguma falta, o dever de cada um não é ir espalhar a notícia, nem mesmo ir diretamente para o que caiu, mas perguntar-se à si mesmo: 'Como estou eu? Qual é minha situação? Acaso não sou culpado, se não da mesma falta, talvez de alguma outra igualmente reprovável? Não poderia ser que alguma falta em mim haja levado à sua falta? Estou andando no Espírito, de forma que possa reestabelecê-lo, em vez de afastá-lo ainda mais?' Isso resultaria em uma reforma completa na igreja, e bem poderia acontecer que quando os demais houvessem chegado à condição na qual possam ir ao que caiu, este tenha já escapado da armadilha do diabo.

Com relação à forma de tentar ao que caiu em transgressão (Mat. 18:15-18), Jesus disse: “Eu asseguro que tudo aquilo que ligares na terra, terá sido ligado no céu; e tudo aquilo que desligares na terra, será desligado no céu” (vers. 18). Significa que Deus se submete a qualquer decisão que uma reunião de crentes, que se considere sua igreja, possa tomar? Certamente que não. Nada que seja feito na terra pode mudar a vontade de Deus. A história da igreja nos dois mil anos passados, é um monte de erros e absurdos, uma carreira de exaltação própria e de pôr o eu no lugar de Deus.

Que quis dizer então Cristo com isso? Exatamente o que disse. Que a igreja tem que ser espiritual, cheia do espírito de mansidão; e que cada um, quando falando, tem que fazê-lo como porta-voz de Deus. Apenas palavra de Cristo deve estar no coração e na boca daquele que tenha de tratar com o transgressor. Quando assim acontece, dado que a palavra de Deus sempre é estabelecida nos céus, resulta que tudo aquilo que você ligar na terra “terá sido ligado no céu”. Mas isso não acontecerá a menos que seja seguindo a Escritura estritamente, na letra e no espírito.

 

2   Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo.

 

A “Lei de Cristo” se cumpre quando cada um leva a carga do outro, como a lei da vida de Cristo é levar cargas. “Levou ele mesmo nossas enfermidades, e carregou nossas doenças”. Todo aquele que queira cumprir sua lei há de continuar a mesma obra em favor dos cansados e abatidos.

"Pelo que convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos... Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados” (Heb. 2:17 e 18). Ele sabe o que é ser tentado penosamente, e sabe também como vencer. Ainda que “não conheceu pecado”, foi feito pecado por nós de forma que nos pode fazer justiça de Deus nEle (2 Cor. 5:21). Tomou cada um dos nossos pecados e os apresentou perante Deus como se fossem seus.

E é assim que vem a nós. Em vez de nos recriminar por nossos pecados, nos abre o coração e nos faz saber quanto sofreu com a mesma angústia, dor, pena e vergonha. Ganha com isto nossa confiança. Sabendo que Ele passou pela mesma experiência, que esteve prostrado nas mesmas dificuldades, prepara-nos para o ouvir quando nos apresenta a via de escape. Sabemos que fala por experiência.

Portanto, o mais importante ao resgatar pecadores, é mostrar que somos um com eles. É mostrando nossas próprias faltas que salvamos a outro. O que se sente sem pecado, não é certamente o que poderá restabelecer o pecador. Se você diz a alguém que caiu em transgressão: 'Como você pôde fazer uma coisa destas? Eu nunca fiz qualquer coisa semelhança em toda minha vida! Eu não entendo como alguém com o mínimo de respeito próprio pôde cair nisso!', se você fala deste modo a ele, você teria feito melhor ficando em casa. Deus escolheu um fariseu, e só a um, para ser seu apóstolo. E não foi enviado até não ter-se reconhecido como o principal entre os pecadores.

É humilhante confessar o pecado, mas o caminho da salvação é o caminho da cruz. É só mediante a cruz que Cristo pode ser o Salvador dos pecadores. Então, se temos que compartilhar a alegria, temos que também sofrer a cruz com Ele “menosprezando a vergonha”. Lembre-se: É somente confessando nossos próprios pecados que podemos salvar a outros de seus próprios pecados. Só assim podemos lhes mostrar o caminho da salvação. O que confessa seus pecados é o único que obtém purificação deles, podendo assim dirigir outros à Fonte.

 

3   Porque, se alguém cuida ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo.

4   Mas prove cada um a sua própria obra, e terá gloria apenas em si mesmo, e não noutro.

 

Note as palavras: “não sendo nada”. Não diz que nós não deveríamos acreditar tanto em algo que não tenhamos chegado a ser. Pelo contrário, é a verificação plena de um fato: que nós não somos nada. Não só um único indivíduo; também todas as nações reunidas, são nada perante o Senhor. Sempre que acreditamos que somos algo, estaremos nos enganando a nós mesmos. E fazemos freqüentemente isto, em detrimento do trabalho do Senhor.

Você se lembra da “Lei de Cristo”? Embora Ele tudo fosse, “se despojou de si mesmo” de forma que pudesse ser feita a vontade de Deus. “O servo não é maior que o seu senhor” (João 13:16). Só Deus é grande. “Certamente é vaidade completa todo o homem que vive” (Sal. 39:5). Deus sempre é verdadeiro, embora “todo homem seja mentiroso” (Rom. 3:4). Quando reconhecemos o anterior, e vivemos conscientes dele, nos colocamos na situação na qual o Espírito Santo pode alcançar-nos, tornando possível que Deus trabalhe por nós. O “homem de pecado” é quem se exalta (2 Tes. 2:3 e 4). O filho de Deus é o que se humilha.

 

5   Porque cada qual levará a sua própria carga.

 

Se contradiz o versículo dois? De modo nenhum. A Escritura nos fala que levemos cada um a carga do outro, não que lancemos as nossas neles!” “Lança sobre o Eterno tua carga" (Sal 55:22). Cada um tem que pôr a carga sobre o Senhor. Ele leva a carga da humanidade inteira, não em massa, mas individualmente. Não colocamos nossas cargas nEle, juntando em nossas mãos ou em nossa mente, e os lançando para Alguém distante de nós. Deste modo é impossível. Muitos tem procurado desta forma ser libertado de sua carga de pecado, dor, angústia e castigo, sem conseguir. Voltavam a senti-la pairando cada vez mais pesada sobre eles, até deixa-los às portas do desespero. Onde estava o problema? Olharam a Cristo como alguém distante, e pensaram que correspondia a eles estender a ponte sobre o abismo. Mas isso não é possível. O homem (quando ainda éramos fracos) não pode tirar de si a carga, nem na distância pequena dos próprios braços. Por muito tempo mantivemos o Senhor afastado, embora só na longitude de nossos braços, privando-nos do descanso da pesada carga. É somente quando reconhecemos e confessamos que nada somos, e desaparecendo em nossa insignificância – deixando de nos enganarmos a nós mesmos –, é então quando Lhe permitimos levar nossa carga. Cristo sabe como manejá-la. E levando seu jugo, aprendemos dEle como levar as cargas de outros.

O que há, então, no propósito de levar nossa própria carga? É “o poder que opera em nós” que a leva! ”Com Cristo estou crucificado, e já não vivo eu, mas Cristo vive em mim” (Gál. 2:20). Trata-se de mim; mas não eu, se não Ele.

Aprendi o segredo! Não cansarei a qualquer outro fazendo-lhe participante de minha carga pesada, mas eu mesmo a levarei; mas não eu, e sim, Cristo em mim. Há muitos no mundo que ainda não aprenderam esta lição de Cristo, todo o filho de Deus achará ocasião de tomar as cargas de algum outro. A sua própria, confiará ao Senhor. Não é maravilhoso que “aquele que é poderoso” leve sempre nossa carga?

Aprendemos essa lição na vida de Cristo. Andava fazendo o bem porque Deus estava com Ele. Consolou aos tristes, curou os de coração quebrantado, libertou os que foram oprimidos pelo diabo. Nem um só dos que foram a Ele levando seus sofrimentos e enfermidades saíram sem alívio. “Assim se cumpriu o que disse o profeta Isaías: ‘Ele mesmo tomou nossas enfermidades e levou nossas dores’ ” (Mat. 8:17).

E depois, quando à noite as multidões se colocavam no leito, Jesus procurava as montanhas ou a floresta, para que em comunhão com o Pai (para quem vivia) pudesse obter provisão renovada de vida e força para sua própria alma. “Cada um examine seu próprio trabalho”.  “Examinai-vos a vós mesmos, se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados” (2 Cor. 13:5). “Porque embora crucificado em fraqueza, vive pelo poder de Deus. Também nós somos fracos, mas pelo poder de Deus, viveremos com ele pelo poder de Deus em vós” (vers. 4). Deste modo, se nossa fé prova que Cristo está em nós (e a fé demonstra a realidade do fato), teremos do que nos alegrar perante nós, e não ante outro. Nos alegramos em Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, e nosso gozo não depende de qualquer outra pessoa no mundo. Mesmo que todos desanimem e caiam, resistiremos, uma vez que “o fundamento de Deus permanece firme” (2 Tim. 2:19).

Então, que ninguém que se tem por cristão conforme-se em apoiar-se em  algum outro. Embora sejas o mais fraco entre o fracos, sempre sejas um carregador de cargas, um obreiro juntamente com Deus, levando em Cristo sua própria carga  e a de seu próximo, sem reclamações nem impaciência.  Pode inclusive descobrir algumas das cargas pelas que seu irmão não expresse lamento algum, e também levá-las. E a mesma coisa pode fazer o outro. O fraco então, se regozijará assim: “Minha força e minha canção é o Eterno, o Senhor, que tem sido minha salvação” (Isa. 12:2).

 

6   E o que é instruído na palavra reparta de todos os seus bens com aquele que o instrui.

 

Sem dúvida alguma isso se refere principalmente aos recursos temporais. Se um homem se dedica inteiramente ao ministério da Palavra, é evidente que as coisas necessárias para sua manutenção devem vir daqueles a quem ensina. Agora então, o significado da exortação não se esgota aí. Quem recebe instrução na Palavra, deve compartilhar com o instrutor “em todas as coisas boas”. O tópico do capítulo presente é a ajuda mútua. “Levando cada um as cargas do outro”. Também aquele que instrui aos demais, e recebe deles o alimento material, tem que usar o dinheiro para assistir outros. Cristo e os apóstolos, que não possuíam nada – posto que Cristo era o mais pobre entre o pobres - e os discípulos, tinham deixado tudo para o seguir –, assistiram aos pobres com seus recursos minúsculos (João 13:29).

Quando os discípulos propuseram a Jesus que despedisse as multidões de forma que elas mesmas pudessem se prover, Ele respondeu: “Eles não precisam partir. Dai-lhes vós de comer” (Mat. 14:16). Jesus não estava brincando. Quis dizer o que disse de fato. Sabia que os discípulos não tinham nada que dar às pessoas, mas tinham tanto quanto Ele tinha. Eles não entenderam o poder das palavras, então, Ele mesmo tomou os pãezinhos e os deu aos discípulos, de forma que eles deram de comer aos famintos. Mas as palavras que lhes dirigiu significam que deveriam fazer exatamente como Ele. Quantas vezes nossa falta de fé na palavra de Cristo nos privou de trabalhar o bem e compartilhar o que temos. E é uma pena, porque “tais sacrifícios agradam a Deus” (Heb. 13:16).

Visto que quem ensina não somente compartilha a Palavra, mas também coopera com o apoio material; de um mesmo modo, os que recebem o ensino da palavra não deveriam limitar a liberalidade somente para as coisas temporárias. É um erro a suposição que os ministros do evangelho não estão nunca em necessidade de refrigério espiritual, ou que eles não podem receber isto até do mais fraco no rebanho. É impossível descrever até que ponto provêem encorajamento para a alma do instrutor os testemunhos de gozo e fé no Senhor dado pelos que recebem a Palavra. Não se trata de simples verificação que seu trabalho não foi em vão. Pode muito bem ser que o testemunho não contenha referências imediatas ao que foi dado, mas o alegre e humilde testemunho do que Deus tem feito pelo ouvinte, influenciará positivamente o instrutor, e freqüentemente redundará no fortalecimento de centenas de almas.

 

7   Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará.

8   Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna.

 

Não é possível expressar com mais clareza essa declaração de princípios. A colheita, que será feita no fim do mundo, revelará se a semente era trigo ou joio (discórdia). “Semeai para vós segundo a justiça, colhei conforme o amor, preparai para vós um terreno novo: é tempo de procurar a Iahweh, até que ele venha e faça chover a justiça sobre vós” (Oséias 10:12, Bíblia de Jerusalém). “O que confia em seu próprio coração  é louco” (Prov. 28:26). A mesma coisa é necessária dizer de quem confia em outros homens, como se deduz do verso 13 de Oséias 10: “Arastes impiedade, colhestes iniquidade. Tú comerás o fruto da mentira, porque confiaste em tua própria força, na multidão de seus próprios guerreiros”. “Maldito o que confia no homem, e que se apóia na carne”, seja a sua própria ou de algum outro homem. “Bendito o que confia no Eterno, e põe sua esperança Nele” (Jer. 17:5, 7).

Todo o que perdura vem do Espírito. A carne está corrompida, e é fonte de corrupção. Quem consulta nada mais que sua própria conveniência, obedecendo aos desejos da carne e da mente, apanhará uma colheita de corrupção e morte. “O espírito é vida por causa da justiça” (Rom. 8:10, Bíblia de Jerusalém), e o que consulta só a mente do Espírito, colherá eterna glória. “Se vives conforme a carne, morrereis. Mas se pelo Espírito deres morte às obras da carne, vivereis” (Rom. 8:13). Maravilhoso! Se vivemos, morremos; e se morremos, vivemos. Este é testemunho de Jesus: “O que quiser salvar sua vida, a perderá; e o que perde sua vida  por causa de mim, a achará” (Mat. 16:25).

Isso não equivale a perda da alegria no presente. Não implica contínua depravação e penúria, a carência de algo que desejamos, com o propósito de obter outra coisa. Não significa que a existência presente deva ser uma morte em vida, uma agonia lenta. Longe disto! Isso é uma concepção errônea e falsa da vida cristã: uma vida que mais seria chamar morte. Não; todo o que vem a Cristo e bebe do Espírito, tem “nele uma fonte de água, que brota para a vida eterna” (João 4:14). A alegria da eternidade é agora dele. Seu gozo é completo dia após dia. É “plenamente saciado da plenitude de sua casa” (Sal. 36:8), bebendo do manancial do próprio deleite de Deus. Possui tudo, aquele que deseja, uma vez que o coração clama somente por Deus, e em quem mora toda a plenitude. Uma vez acreditara estar descobrindo a vida, mas agora sabe que de fato não estava fazendo mais que olhar para a tumba, para o sepulcro da corrupção. Agora é quando realmente começa a viver, e a alegria da nova vida é inefável e gloriosa”, de forma que canta:   

 

A terna voz do Salvador

Nos fala comovida.
Ouça o Médico de amor,
aquele dá aos mortos vida.
Nunca os homens cantarão,   
nunca os anjos em luz   
nota mas doce entoarão   
que o nome de Jesus.

(P. Castro, #124)  

 

Um exército sagaz sempre tenta bater as posições inimigas de maior valor estratégico. Deste modo se esconde uma promessa significativa para os crentes, Satanás a distorce, transformando-a em motivo de desânimo. Muitos podem querer pretender que a palavra “O que semeia para sua carne, da carne colherá corrupção”, significa que, até mesmo depois de ter nascido do Espírito, devem continuar sofrendo as conseqüências de sua vida anterior de pecado. Alguns acabam supondo que até mesmo na eternidade eles levarão as cicatrizes dos pecados antigos e lamentando-se em palavras como estas: ‘Nunca poderei ser o que deveria ter sido se nunca tivesse pecado’.

Que calúnia da graça de Deus, e da redenção em Cristo Jesus! Não é essa a liberdade na qual Cristo nos faz livres. A exortação diz: “Como também você oferecia seus membros a impurezas e a iniquidade, apresente agora vossos membros para servir a justiça que conduz à santidade” (Rom. 6:19). Se o que sofre de tal modo a justiça, sempre deve estar limitado por causa dos hábitos ruins  do passado, seria demonstrado que o poder da justiça é inferior ao do pecado. Mas a graça de Deus é tão poderosa quanto os céus.

Imagine alguém que foi condenado a prisão perpétua por seus crimes. Depois de ter ficado alguns anos na prisão, é perdoado e posto em liberdade. Algum tempo depois o encontramos, e descobrimos uma bola de ferro de trinta quilos algemada a seu tornozelo por meio de uma corrente espessa, de forma que só a duras penas pode rastejar de um lugar para outro. ‘Como? O que significa isto?’, – lhe perguntamos surpresos. ‘Não te permitiram partir livre?’.

 ‘Oh sim!’, nos responde, ‘Sou livre, mas tenho que levar esta bola como lembrança de meus crimes passados”.

 Toda pregação inspirada pelo Espírito Santo é uma promessa de Deus. Uma delas, transbordando de graça, é esta: “Não te lembres  dos pecados da minha mocidade, nem das minhas transgressões: mas, segundo a tua misericórdia, lembra-te de mim, por tua bondade, Senhor” (Sal. 25:7).

 Quando Deus perdoa e esquece nossos pecados, nos proporciona um poder tal para escapar deles, que venhamos a ser como se nunca houvéssemos pecado. Mediante as “preciosas e grandíssimas promessas”, que nos tem dado, faz que “cheguemos a participar da natureza divina, e nos livremos da corrupção que está no mundo por causa dos maus desejos” (2 Ped. 1:4). O homem caiu quando comeu da árvore do conhecimento do bem e do mal. O evangelho apresenta uma tal redenção da raça caída, que todas as negras memórias do pecado são apagadas. Os redimidos acabarão sabendo só o bem, com Cristo, que “não conheceu pecado”.

Os que semeiam para a carne, da carne colherão corrupção, como todos nós tivemos a ocasião de verificar pessoalmente. “Mas vós não viveis de acordo com a carne, mas de acordo com o Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós” (Rom. 8:9). O Espírito tem poder para nos liberar do poder da carne, e de todas as suas conseqüências. “Cristo amou a igreja, e se entregou a si mesmo por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela Palavra, para apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mancha nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Efe. 5:25-27). “Por suas feridas fomos sarados”. A memória do pecado, não dos pecados individuais, persistirá pela eternidade nas cicatrizes das mãos, nos pés e no lado de Cristo. Constituem o selo de nossa perfeita redenção.

 

9   E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecidos.

 

Nos cansamos muito facilmente de fazer o bem, quando não olhamos à Jesus. Perdemos o descanso, porque imaginamos que a prática contínua do bem deveria ser extenuante. Mas isso só é assim porque não temos compreendido plenamente a alegria do Senhor, a força que nos impede desfalecer. “Os que esperam no Eterno terão forças novas, erguerão o vôo como águias; correrão, e não se cansarão; caminharão, e não se cansarão (Isa. 40:31).

Da mesma maneira que mostra o contexto, o tópico principal simplesmente não é o resistir à tentação em nossa própria carne, mas ajudar a outros. Precisamos neste ponto aprender a lição de Cristo, que “não se cansará nem desmaiará, até que estabeleça a justiça na terra” (Isa. 42:4). Embora muitos dos que curou nunca demonstraram o mínimo agradecimento, isto não o fez mudar em qualquer coisa. Veio fazer o bem, não para oferecer-se a avaliação dos outros. Então, “de manhã, semeies a tua semente, e a tarde não permitas descansar sua mão; porque não sabes o que é melhor, se isto ou aquilo, ou se as duas coisas são boas” (Ecl. 11:6).

Não é determinado saber quanto recolheremos nós, nem qual será a semeadura a partir da qual colheremos. Uma parte dela pode ter caído a beira do caminho e sendo arrebatada antes de poder lançar raízes; outra pode cair em terra pedregosa e pode secar; e até mesmo outra pode cair entre espinhos, sendo sufocada. Mas uma coisa é certa: colheremos! Não sabemos se prosperará a semeadura de amanhã, ou o que fez pela tarde, ou se ambos o farão. Mas não existe a possibilidade que ambas fracassem. Ou prosperará uma, ou outra... Ou ambas!

Isso não é incentivo suficiente para não cansarmos de fazer o bem? A terra pode parecer pobre, e a estação pouco promissora. Os piores pronunciamentos podem ser dados para a colheita, e podemos ser tentados a pensar que todo nosso trabalho foi em vão. Mas NÃO é assim. “No momento certo colheremos”. “Deste modo, meus irmãos amados, estai firmes e constantes, abundando sempre no trabalho do Senhor, sabendo que vosso trabalho no Senhor não é em vão” (1 Cor. 15:58).

 

10    Então, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé.

 

Isto nos permite concluir que o apóstolo está se referindo à ajuda material, posto que não faria sentido lembrar-nos que preguemos a Palavra aos que não são da fé: para eles especialmente é que é necessário pregar. Mas há uma tendência natural – entenda-se natural, em oposição com espiritual – que é a de limitar a benevolência aos que são considerados que ‘o merecem’. Ouvimos muito sobre os “pobres que não merecem outra coisa”. Mas todos somos indignos até da menor das bênçãos de Deus; e mesmo assim, nos concede continuamente. “E, se fizerdes bem aos que vos fazem bem, que recompensa tereis? Também os pecadores fazem o mesmo. E, se emprestardes àqueles de quem esperais tornar a receber, que recompensa tereis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para tornarem a receber outro tanto. Amai pois a vossos inimigos, e fazei bem, e emprestai, sem nada esperardes, e será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo; porque Ele é benigno até para com os ingratos e maus” (Luc. 6:33-35).

Deveríamos considerar fazer o bem a outros como um privilégio alegre, e não como um pesado dever a evitar se possível. Nunca nos referimos às coisas desagradáveis em termos de “oportunidades”. Ninguém diz que teve a oportunidade de ferir-se, nem de perder algum dinheiro. Pelo contrário, dizemos que tivemos a oportunidade para ganhar alguma soma, ou de ter escapado de perigo que nos ameaçava. Assim é como devemos considerar a benevolência para com os necessitados.

Mas as oportunidades têm que ser buscadas. Os homens labutam procurando oportunidades para ganhar dinheiro. O apóstolo nos exorta para que busquemos  de igual maneira oportunidades para ajudar alguém. Deste modo fez Cristo. “Andava fazendo o bem”. Percorreu o país a pé, buscando oportunidades de fazer algum bem a alguém, e as encontrou. Fez o bem, “porque Deus estava com ele” (Atos 10:38). Seu nome é Emanuel que quer dizer “Deus conosco”. Sendo que Ele está diariamente conosco, até o fim do mundo, Deus também estará conosco, fazendo-nos o bem, de forma que também possamos fazer a outros.

 

11  Vede com que grandes letras vos escrevi por minha mão.

 

É possível ver o zelo que inflamava o apóstolo Paulo ao escrever a epístola, pelo fato de que, contrariamente ao seu costume, tomou a pena e começou a escrever a carta, ou parte dela, do próprio punho e letra. Como se pode deduzir do capítulo quatro, Paulo sofria algum problema na visão. Isso o impedia de fazer seu trabalho, ou o teria impedido a não ser pelo poder de Deus que nele morava. Precisou sempre que houvesse alguma pessoa que o assistisse. Alguns tiraram proveito daquela circunstância para escrever cartas espúrias para as igrejas em nome de Paulo, transtornando assim aos irmãos (2 Tes. 2:2). Mas na segunda carta aos Tessalonicenses mostrou-lhes como poderiam saber se uma epístola vinha ou não dele: seja quem for o que escrevesse o corpo da carta, ele mesmo estamparia o saudação e a assinatura, da própria mão. Nesta ocasião, não obstante, a urgência era tal que muito provavelmente escreveu ele mesmo a epístola inteira.

 

12    Todos os que querem mostrar boa aparência na carne, esses vos obrigam a circuncidar-vos, somente para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo.

 

É impossível enganar a Deus, e de nada serve enganar a nós mesmos, ou aos outros. “O Eterno não olha o que o homem olha. O homem olha o que está ante seus olhos, mas o Senhor olha o coração” (1 Sam. 16:7). A circuncisão na qual os falsos irmãos quiseram persuadir os gálatas a confiar, significava a justiça própria, em vez da justiça pela fé. Eles só tiveram a lei como “a forma do conhecimento e da verdade” (Rom. 2:20). Com as obras poderiam fazer uma semeadura “conveniente” para a carne; uma semeadura vazia, já que nela não havia nenhuma realidade. Eles poderiam parecer justos sem sofrer perseguição pela cruz de Cristo.

 

13  Porque nem ainda esses mesmos que se circuncidam guardam a lei; mas querem que vos circuncideis, para se gloriarem na vossa carne.

 

Não guardaram a lei em absoluto. A carne é oposta à lei do Espírito, e “os que vivem de acordo com a carne não podem agradar a Deus” (Rom. 8:8). Mas tentaram obter conversos para o que eles denominaram “nossa fé”, como muitos chamam às teorias particulares que sustentam. Cristo disse: “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Porque percorreis a terra e o mar para fazer um prosélito; e uma vez ganhado, o fazeis duas vezes mais filho do inferno que vós” (Mat. 23:15). Tais mestres se gloriavam na carne de seus “conversos”. Se acontecia que certa quantidade de pessoas se incorporasse à “nossa denominação”, então “houve” um grande “benefício” em comparação ao ano passado, sentem-se felizes. O número e as aparências importam muito aos homens, mas nada a Deus.

   

14  Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo.

 

Por que se gloriar na cruz? Porque por meio dela o mundo não é crucificado, e nós somos o mundo. A epístola termina como começou, com a libertação deste “presente século mau”. Só a cruz cumpre essa libertação. A cruz é um símbolo de humilhação. Então, nos gloriamos nela.

 

Deus é revelado na cruz

“Não se gabe o sábio em sua sabedoria, nem de sua coragem o valente, nem o rico de sua riqueza” (Jer. 9:23). Por que não deve gabar-se o sábio de sua sabedoria? Porque até onde sua sabedoria  seja a sua própria, é tolice. “A sabedoria deste mundo é loucura para Deus” (1 Cor. 3:19). Nenhum homem tem sabedoria alguma na qual se gloriar. A sabedoria que Deus dá, leva à humildade, não para a vaidade.

Que diremos nós do poder? “Toda a carne é erva” (Isa. 40:6). “Certamente é vaidade completa todo o homem que vive” (Sal. 39:5). “Os homens são apenas um sopro, tanto o pobre como o rico. Se fossem pesados todos juntos na balança, pesariam menos que um sopro”. Mas “de Deus é o poder” (Sal. 62:9, 11).

Como para a riqueza, esperar nelas é “incerteza” (1 Tim. 6:17). “O homem labuta em vão; empilha riqueza, sem saber para quem” (Sal. 39:6). “Hás de pôr teus olhos na riqueza, que não são nada? Porque criaram asas de águias, e voarão ao céu” (Prov. 23:5). Só em Cristo há riquezas inescrutáveis e eternas.

Então, o homem não tem absolutamente nada de que orgulhar-se. O que é do homem que carece de toda a riqueza, sabedoria e poder? Tudo aquilo que o homem é ou tem, vem do Senhor. É por isto para que “o que se gloria, glorie-se no Senhor” (1 Cor. 1:31).

Relacione o versículo anterior com Gálatas 6:14. O mesmo Espírito inspirou ambas as passagens, assim não podem estar em contradição mútua. Em um lugar lemos que temos que nos gloriar só no conhecimento do Senhor. No outro que não há nada que se gloriar, exceto na cruz de Cristo. Então, a conclusão é que na cruz de Cristo achamos o conhecimento de Deus. Conhecer a Deus é vida eterna (João 17:3), e não há nenhuma vida para o homem fora da cruz de Cristo. Vemos, pois, uma vez mais, que tudo aquilo que pode ser conhecido de Deus, está revelado na cruz. Fora da cruz não há conhecimento de Deus.

Isso nos mostra que a cruz é manifestada na criação inteira. O eterno poder e divindade de Deus, tudo quanto podemos conhecer dEle, se podem ver nas coisas que criou, e a cruz é o poder de Deus (1 Cor. 1:18). Deus gera forças a partir da fraqueza. Salva o homem por meio da morte, de forma que até os que morrem podem descansar na esperança. Nenhum homem é tão pobre, fraco e pecador, tão degradado e depreciado para não poder se gloriar na cruz. A cruz o toca justamente nessa situação em que está, pois é símbolo de vergonha e degradação. Revela o poder de Deus nele, e há nele motivo para glória eterna.   

 

A cruz crucifica

A cruz nos separa do mundo. Nos une a Deus, a Ele seja a glória! A amizade do mundo é inimizade contra Deus. “Quem queira ser amigo do mundo, se constitui em inimigo de Deus” (Tg 4:4). Na cruz, Cristo destruiu a inimizade (Efe. 2:15 e 16). “E o mundo e seus desejos passam. Mas, o que faz a vontade de Deus, permanece para sempre” (1 João 2:17). Portanto, deixemos que o mundo passe.

Deixo o mundo e sigo Cristo,
Pois o mundo passará;
mas o terno amor divino
pelos séculos durará.

Oh, que amor imensurável!   
Que clemência, que bondade!
Oh, a plenitude de graça,
cheia de imortalidade!

(V. Mendoza, #266)   

 

Jesus disse: “E quando eu for erguido da terra, atrairei todos a mim” (João 12:32). Digo-o para insinuar que a morte haveria de morrer: “Se humilhou a si mesmo, e foi obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso Deus também o exaltou isto até o sumo, e lhe deu um Nome que é sobre todo nome” (Fil. 2:8 e 9).

Foi através da morte que ascendeu à destra do trono da Majestade nos céus. Foi a cruz que elevou da terra ao céu. Então, é só a cruz que nos traz a glória, e a única coisa que podemos nos gloriar. A cruz, que significa insulto e envergonha para o mundo, nos eleva sobre este mundo e nos assenta com Cristo nos lugares celestiais. Faz “pelo poder que opera em nós”, que é o mesmo que sustém o universo inteiro.

 

15  Porque em Cristo Jesus nem a circuncisão nem a incircuncisão tem virtude alguma, mas sim o ser uma nova criatura.

 

A salvação não vem do homem, seja qual for a condição deste, ou o que ele possa fazer. Em seu estado de incircuncisão está perdido, e ser circuncidado em nada lhe traz à salvação. Só a cruz tem poder para salvar. O único valor é a nova criatura ou, como traduzem algumas versões, “a nova criação”. “Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura” (2 Cor. 5:17); e só por meio da morte que nos unimos a Ele. “Não sabeis que todos os que foram batizados em Cristo Jesus, foram batizados em sua morte” (Rom. 6:3).

 

Crucificado num madeiro;
Manso Cordeiro, morres por mim.
Por isso a alma triste e chorosa   
suspira ansiosa, Senhor, por ti.   

(M. Mavillard, #95)   

 

A cruz faz uma nova criação. Vemos aqui outra razão para se gloriar nela. Quando a criação deixou as mãos de Deus no princípio, “Todas as estrelas do amanhecer louvaram, e se alegraram todos os filhos de Deus” (Jó 38:7).

 

O sinal da cruz

Relacione os textos que até agora consideramos: (1) a cruz de Cristo é a única coisa em que temos que nos gloriar, (2) o que se gloria, deveria fazê-lo somente em conhecer a Deus, (3) Deus escolheu ao mais fraco no mundo para envergonhar os sábios, de forma que ninguém pode se gloriar, exceto nEle, e (4) Deus é revelado nas coisas que criou. A criação, que manifesta o poder de Deus, também apresenta a cruz, pois a cruz de Cristo é o poder de Deus, e Deus se faz conhecer por meio dela.

Que nos diz o anterior? Que o poder que criou o mundo e todas as coisas que há nele, é o mesmo que salva em quem nele confie. É o poder da cruz.

Assim, o poder da cruz, o único pelo qual a salvação vem, é o poder que cria e que continua operando na criação. Mas quando Deus cria algo, é “muito bom”. Então, em Cristo, em sua cruz, há uma “nova criação”. “Porque somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, que Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Efe. 2:10). É na cruz onde encontramos essa nova criação, porque seu poder é que “no princípio criou Deus os céus e a terra”. É o poder que guarda a terra de desintegrar-se debaixo da maldição; o poder que traz a sucessão das estações; o tempo da semeadura e da colheita; o que afinal renovará a terra inteira. “Florescerá profusamente, se alegrará e cantará com alegria. A glória do Líbano lhe será dada, a beleza do Carmelo e de Sarón. Todos verão a glória do Eterno, a beleza de nosso Deus” (Isa. 35:2).

"Grandes são as obras de Jeová, meditadas pelos que nelas se comprazem. Esplendor e majestade sua obra, sua justiça para sempre permanece. De suas maravilhas tem deixado um memorial. Clemente e compassivo Jeová!” (Sal. 111:2-4, Bíblia de Jerusalém).

Vemos aqui que os obras maravilhosas de Deus revelam sua justiça, tanto quanto a graça  e compaixão. Isso é outra evidência de que suas obras revelam a cruz de Cristo, onde se concentram a infinidade do amor e a clemência.

"De suas maravilhas tem deixado um memorial”. Por que deseja que o homem se lembre e declare suas obras prodigiosas? Para que não se esqueça, mas que confie na salvação do Senhor. Sua vontade é que o homem medite continuamente em suas obras, de forma que possa conhecer o poder da cruz. Deste modo, quando Deus criou os céus e a terra em seis dias, “terminou Deus no sétimo dia o trabalho que fez, e descansou no sétimo dia de tudo aquilo tinha feito na criação. E Deus abençoou ao sétimo dia, e o santificou, porque nele descansou de toda a obra que havia feito na criação” (Gên. 2:2 e 3).

A cruz nos provê o conhecimento de Deus ao mostrar-nos seu poder como Criador. Por meio da cruz somos crucificados para o mundo, e o mundo para nós. Pela cruz somos santificados. A santificação é trabalho de Deus, não do homem. Só seu divino poder pode completar esse grande trabalho. No princípio Deus santificou o sábado como a coroa do trabalho criativo, a evidência que o trabalho estava completo, o selo da perfeição. Então, disse: “Também lhes dei meus sábados, para que fossem um sinal entre mim e eles, de forma que soubessem que eu sou o Eterno que os santifico” (Eze. 20:12).

Vemos, pois, que o sábado, o sétimo dia, é o verdadeiro sinal da cruz. É o memorial da criação, e a redenção é criação: criação por meio da cruz. Na cruz achamos as perfeitas e completas obras de Deus, e somos revestidos delas. Ser crucificado com Cristo significa ter renunciado totalmente o eu, reconhecendo que não somos nada, e confiando incondicionalmente em Cristo. Nele encontramos o repouso. Nele encontramos o sábado. A cruz nos leva de volta ao começo, para “o que existia desde o princípio” (1 João 1:1). O repouso do sétimo dia não é mais que o sinal de que na perfeita obra de Deus na cruz – a mesma da criação –, achamos repouso do pecado.

‘Mas é difícil guardar o sábado; o que farei com meu negócio?’; ‘Se guardo o sábado não poderei ganhar a vida’; ‘É tão impopular!’. Nunca alguém pode pretender que seja algo agradável o estar crucificado. “Nem Cristo se agradou a si mesmo” (Rom. 15:3). Leia o capítulo 53 de Isaías. Cristo nunca foi muito bem visto, e menos ainda ao ser crucificado. A cruz significa morte, mas também significa a entrada na vida. Há bálsamo nas feridas de Cristo, há bençãos na maldição que Ele levou, vida na morte que sofreu. Quem poderia afirmar que confia em Cristo para a vida eterna, enquanto se recusa confiar nEle durante alguns anos, meses ou dias de vida neste mundo?

Digamos isto uma vez mais, e digamos de coração: “Longe esteja mim o gloriar-se, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo”. Se você pode dizer isto verdadeiramente, então acharás as tribulações e aflições  tão levianas, que poderás gloriar-te nelas.

 

 

A glória da cruz

É pela cruz que tudo se sustenta. “Todas as coisas subsistem nEle” (Col. 1:17), e Ele não existe em outra forma que não seja a do Crucificado. Se não fosse pela cruz, aconteceria uma morte universal. Nenhum homem poderia respirar, nem uma planta crescer, nem um raio de luz poderia brilhar do céu, a não ser pela cruz.

Agora então, “Os céus contam a glória de Deus, e o firmamento anuncia o trabalho de suas mãos” (Sal. 19:1). Essas são algumas das coisas que Deus fez. Nenhuma pena pode descrever, nenhum pincel para pintar a glória surpreendente dos céus. Porém, aquela glória não é mais que a glória da cruz de Cristo, como mostram os atos antes referidos. É revelado o poder de Deus nas coisas criadas, e a cruz é o poder de Deus.

A glória de Deus é seu poder, como “a grandeza incomparável de seu poder para os que crêem” se mostrou na ressurreição de Jesus Cristo (Efe. 1:19 e 20). “Cristo ressuscitou dos mortos para a glória do Pai” (Rom. 6:4). Foi por haver sofrido morte, pelo que Cristo foi coroado de glória e de honra (Heb. 2:9).

Deste modo, vemos que a glória inteira das estrelas incontáveis, com as cores diversas, e a glória do arco-íris, a glória das nuvens douradas na colocação do sol, a glória do mar e dos campos em flor ou dos prados verdes, a glória da primavera e da colheita na maturidade, a glória do que brota e que da a fruta perfeita, a glória inteira que Cristo tem no céu, e também tudo o que deve ser revelado aos santos dele no dia em que “os justos arderão como o sol no Reino de seu Pai”, é a glória da cruz. Como poderíamos pensar em gloriar-nos em qualquer outra coisa?

 

16  E a todos quantos andarem em conformidade com esta regra, paz e misericórdia sobre eles e sobre o Israel de Deus.

 

A regra da glória! Que grande regra para o que quer ser governado! São mencionadas aí duas classes? Impossível, desde que a epístola inteira vem mostrar que todos são um em Cristo Jesus. “E vós estais completos nele, que é a cabeça de todo o principado e potestade (império). Nele também fostes circuncidados com uma circuncisão feita sem mão, ao nos desfazermos do corpo dos pecados, por meio da circuncisão feita por Cristo. Sepultado com Ele no batismo, também fostes ressuscitado com ele, por meio da fé no poder de Deus que o ergueu dos mortos. Para você que estava morto em pecados, na incircuncisão de sua carne, lhe deram vida com Cristo, e perdoaram todos seus pecados” (Col. 2:10-13).

"Somos a verdadeira circuncisão, nós, os que adoram segundo o Espírito de Deus, e estamos contentes em Cristo Jesus, e não colocamos nossa confiança na carne” (Fil. 3:3). Aquela circuncisão nos constitui a todos no verdadeiro Israel de Deus, porque significa vitória sobre o pecado, e ”Israel” quer dizer vencedor. Já não estamos mais “excluídos da cidadania de Israel, desavisado dos pactos da promessa”, já não somos “estranhos nem forasteiros, mas concidadãos com os santos, membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo a pedra principal do ângulo, Jesus Cristo” (Efe. 2:12, 19 e 29). Deste modo, nos encontraremos com as multidões que virão “do leste e do ocidente, e eles se sentarão com Abraão, Isaac e Jacó no Reino dos céus” (Mat. 8:11).

 

17    Desde agora ninguém me perturbe; pois trago no corpo as marcas do Senhor Jesus.

18    A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja, irmãos, com o vosso espírito. Amém!

 

O que se tem traduzido por “sinais” é a forma plural da voz grega stigma. Implica vergonha e desgraça. No passado, os responsável por crimes, como também os escravos que tinham sido surpreendidos tentando escapar, os estigmatizava por meio da colocação de uma marca ou sinal em seu corpo, indicando a quem pertenciam.

Tais são os sinais da cruz de Cristo. Paulo as levava. Tinha sido crucificado com Cristo, e levava as impressões de seus cravos. Estavam marcados em seu corpo. O assinalavam como um servo, como o escravo do Senhor Jesus. Então que ninguém interferisse com ele: não era servo dos homens. Só devia lealdade a Cristo, que o tinha comprado. Que ninguém esperasse vê-lo servir ao homem ou a carne, porque Jesus o tinha marcado com o Seu sinal, e não podia servir a nenhum outro. Também, ninguém deveria interferir em sua liberdade em Cristo, ou o maltratar, porque seu Senhor protegeria com toda a segurança aquele que lhe pertencia.

Você leva essas marcas? Então você pode se gloriar nelas. Se assim fazes, não te gloriarás em vão, nem ficarás envaidecido.

Quanta gloria há na cruz! A glória inteira do céu está nesse objeto depreciado. Não na figura da cruz, mas na cruz mesma. O mundo não reconhece isto como glória. Mas tampouco reconheceu o Filho de Deus; nem reconhece ao Espírito Santo, porque não podem ver a Cristo.

Que Deus abra nossos olhos para ver a glória, de forma que possamos reconhecer seu valor. Que consintamos em ser crucificados com Cristo de forma que a cruz nos eleve para a glória. Na cruz de Cristo há salvação. É o poder de Deus para não cairmos, porque nos eleva da terra para o céu. Na cruz está a nova criação que o mesmo Deus qualifica como boa “de grande modo”. Nela está toda a glória do Pai e a glória inteira das idades eternas. Portanto, que Deus não permita que nos gloriemos em outra coisa que não seja a cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo nos é crucificado, e nós para o mundo.

Havia Um que quis por mim padecer
e morrer, para minha alma salvar;
a caminho sangrenta na cruz recorrer,
para deste modo meus pecados lavar.

Na cruz, na cruz meus pecados cravou!
Quanto quis por mim padecer!
Com angústia à cruz foi o bom Jesus,
E em seu corpo minhas culpas levou.

(Elisa Pérez, #90) 


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