O Fenômeno João Paulo II 

CARLOS ALBERTO DI FRANCO

Com seu primeiro CD, Abba Pater, nas lojas de 50 países desde o começo deste ano, João Paulo II deve superar o recorde da trilha do filme Titanic, que no ano passado vendeu 27 milhões de exemplares. O papa, embora envelhecido e doente, continua sendo um fenômeno de massas e um impressionante sucesso mercadológico. O desempenho de João Paulo II , sobretudo no meio jovem, é uma charada que desafia o pretenso feeling de certos estudiosos do comportamento. Afinal, o estereótipo do papa conservador, obstinadamente apegado aos valores que estariam na contramão da modernidade, tem sido contestado pela força dos fatos e pela eloqüência dos números.

Durante 20 anos de pontificado, as ruas, praças e esplanadas nos quatro cantos do mundo foram tomadas por barracas, mochilas e canções. A frustração de certos vaticanólogos só tem sido superada pelo ranço amargo de alguns ideólogos fracassados. De fato, as concentrações religiosas, imensas e multicoloridas, contrastam fortemente com as previsões pessimistas dos profetas da morte de Deus.

Os desembarques do papa são, freqüentemente, precedidos de discutíveis pesquisas indicando que parcelas significativas da população consideram João Paulo II conservador e retrógrado. Chega-se a falar, num burocrático exercício de futurologia, de prováveis fracassos das viagens e dos riscos de uma explosão de protestos contra a rigidez doutrinal da Igreja. As contestações, no entanto, quando ocorrem, costumam ficar limitadas a meia dúzia de cartazes.

A última visita do papa à França, que foi definida como "a filha rebelde da Igreja", foi um bom exemplo do descompasso entre o autismo dos ressentidos e o arejamento do mundo real. Uma multidão comovida e descontraída, trajando jeans e bermudas coloridas, deu-se as mãos, formando uma "corrente de solidariedade" de 36 quilômetros ao redor de Paris. Quando a estação de rádio da Catedral de Notre-Dame deu o sinal, os jovens fizeram 90 segundos de silêncio. Em seguida, cantaram a Ode à Alegria da Nona Sinfonia de Beethoven, enquanto os sinos das igrejas tocavam e os motoristas dos carros buzinavam em homenagem à visita do papa.

As multidões que acompanharam o pontífice superaram todas as estimativas, levando o único jornal parisiense que circula aos domingos, Le Journal de Dimanche, a perguntar, em editorial, que mistério tinha João Paulo II para despertar "inabituais cenas de fervor e mobilização coletiva, que parecem anacrônicas neste fim de século, em que a Igreja é acusada de ser conservadora, retrógrada e, por isso, distanciada da juventude". Para alguns, reféns de um sectarismo empobrecedor, é difícil entender os recados de Paris, de Manila, do Aterro do Flamengo e de tantos lugares visitados pelo pontífice itinerante. Como explicar o fascínio exercido pelo papa? Como digerir a força de um fato? Milhares de jovens, rebeldes e contestadores, deixam o som das discotecas para ouvir a voz de um ancião trêmulo e supostamente reacionário.

A interpretação dos megaencontros papais, comparados por alguns observadores aos festivais de rock de Woodstock, realizados nos EUA no final dos anos 60, indica, talvez, a gestação de uma profunda mudança comportamental. "A gente dança e canta, mas não esquece o motivo principal por que estamos aqui: reavivar a fé", comentou a norte-americana Sandra Thomas, de 23 anos, uma das participantes das Jornadas Mundiais da Juventude, que reuniu milhares de jovens em Denver (EUA).

A crescente empatia entre João Paulo II e a juventude tem rompido moldes convencionais e surpreendido o noticiário. Recentemente, ao receber 4 mil universitários de 35 países que participaram do Congresso Univ 99, encontro anual da Semana Santa em Roma, promovido por fiéis da prelazia do Opus Dei e que neste ano tratou do tema Solidariedade e Cidadania, o papa fez um forte apelo ao compromisso. "Esta é a tua tarefa de cidadão cristão: contribuir para que o amor e a liberdade de Cristo presidam a todas as manifestações da vida moderna - a cultura e a economia, o trabalho e o descanso, a vida de família e o convívio social." A citação, extraída do livro Sulco, do bem-aventurado Josemaría Escrivá, provocou emocionado aplauso. De fato, independentemente do ceticismo de certos analistas, a busca de Deus e a nostalgia de valores são constatações sociológicas.

O papa é um sucesso mercadológico. Seu marketing, no entanto, tem raízes profundas: fé robusta, coragem moral, coerência doutrinal e, sem dúvida, a misteriosa magia da santidade. Os santos assustam e incomodam. Desnudam a nossa mesquinhez. São sempre um acicate. Mas a santidade também atrai e eleva. Na verdade, só ela pode explicar o vigor do pontificado.

Fonte: Arquivo digital do jornal O Estado de S. Paulo


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