Papa Ameaça Padre Marcelo no Marketing Musical

Com seu primeiro disco, "Abbá Pater", nas lojas de 50 países desde o fim do mês de março, João Paulo II deve superar o recorde da trilha do filme "Titanic", que no ano passado vendeu 27 milhões de exemplares

ASSIMINA VLAHOU, Especial para o Estado

ROMA - Abbá Pater, o primeiro CD musical do papa João Paulo II, está nas lojas de discos de todo o mundo desde o dia 23 de março. Padre Marcelo que se cuide, porque a concorrência vai ser dura. Inicialmente foi distribuído 1 milhão de exemplares em 50 países, incluindo o Brasil. Mas, segundo o otimista presidente da Sony Classical, Peter Gelb, a pretensão era superar o recorde da trilha sonora do filme Titanic, que vendeu 27 milhões de discos no ano passado.

Calculando que o número de católicos no mundo está em torno de 1 bilhão, não deve ser tão difícil chegar ao objetivo. Uma grande operação comercial, apesar de não ser vista apenas como tal no Vaticano.

"Nossa missão é levar a voz do papa ao mundo", argumenta padre Pasquale Borgomeo, diretor da potente Rádio Vaticana, responsável pelo projeto em parceria com a Sony e o instituto católico Sociedade São Paulo.

"A Igreja entrou na era da mídia mais por vocação do que por obrigação, pois sua missão é divulgar a mensagem de Cristo", explica o cardeal Roger Etchegaray, responsável pelas celebrações do Jubileu do ano 2000. Ele fez questão de esclarecer que a voz do papa "não é a voz de um astro, mas de um pastor". O projeto, cujo custo foi mantido em segredo pelo Vaticano, faz parte das iniciativas para o Jubileu e é uma homenagem aos 20 anos de pontificado de João Paulo II.

Madonna - O preço do CD gira em torno de US$ 23 e a distribuição conta com a ajuda das conferências episcopais dos vários países que se encarregaram de colocar o disco no maior número possível de pontos-de-venda, recebendo parte dos lucros.

A divulgação é feita principalmente pela Sony e o papa acabou concorrendo com Madonna ou U2 nos canais especializados em música, como MTV. Para isso, os produtores prepararam um videoclipe com trechos das músicas e uma montagem de imagens do papa em algumas de suas 85 viagens pelo mundo. O videoclipe surpreendeu durante a apresentação no Vaticano por mostrar um casal nu.

Abbá Pater, que quer dizer pai em língua aramaica, contém 11 faixas com trechos de orações, homilias e discursos pronunciados em várias cerimônias e durante as viagens do papa. São citados em cinco línguas - italiano, inglês, alemão, espanhol, francês - e abordam temas como reconciliação, perdão e caridade.

"É um afresco vocal que traduz um discurso linear", define monsenhor Giulio Nerone, responsável pelo setor de audiovisuais da Sociedade São Paulo, um verdadeiro colosso editorial com uma produção anual de 20 milhões de livros, além de audiovisuais e multimídia.

Desafio - "Começa com a invocação de esperança do Salmo 26 e termina com o manifesto cristão das Beatitudes, o desafio evangélico que 2 mil anos após ter sido proclamado é ainda difícil de ser aceito", descreve.

O papa não teve de submeter-se a estúdios de gravação para a preparação do CD, tudo foi feito com material de arquivo da Rádio Vaticana. Em dois anos de pesquisa foram consultados os 40 livros de 1,6 mil páginas cada um, que contêm tudo o que o papa disse em público.

João Paulo II canta apenas em uma faixa de Abbá Pater, com a voz ainda vigorosa dos anos 80, o Pai-Nosso em latim. Nas demais, os textos são falados com um fundo musical. Os autores, Leonardo de Amicis e Stefano Mainetti, com experiência em produção musical para o cinema, compuseram as músicas em cima de cada texto que, segundo eles, serviram também como inspiração. A única voz, além da do papa, é a da soprano Chatarina Scharp.

A música é uma mistura de estilos e ritmos que na opinião dos produtores respeita a amplidão da mensagem do pontífice. Vai do clássico e dos cantos gregorianos até a world music, com toques de sons orientais, como chineses e indianos, por exemplo, na faixa Venha Espírito Santo, ou ainda africanos e latino-americanos passando por atmosferas new age.

Surpresas - "A voz não foi manipulada com recursos eletrônicas", garante Stefano Mainetti. "Deixamos como era e o que surpreendeu a todos foi a cadência rítmica natural dela." A expressividade de Karol Wojtyla surpreendeu até monsenhor Nerone. "Consultando o material, entendi que o papa usa técnicas de ator, de sua experiência quando era jovem na Polônia e trabalhava em teatro, para ser mais comunicativo e mais claro", testemunhou.

A maior parte das "falas" do papa são dos anos 80, quando sua voz ainda não havia sido atingida pelos efeitos do mal de Parkinson, doença que se tem acentuado com o passar dos anos. Emociona passar do timbre jovem, vigoroso e forte com cadência rítmica e boa dicção para o sofrimento evidente dos dois textos mais recentes - de 97 e 98. É uma forma de percorrer os 20 anos de pontificado.

Fonte: Arquivo digital do jornal O Estado de S. Paulo

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