Profecias Catastróficas Marcam Virada do Milênio

A lua azul, o bug do milênio e a crise econômica mundial seriam sinais do caos final

ROLDÃO ARRUDA

O céu anda estranho. Normalmente, a cada mês é possível presenciar uma lua cheia. Mas, em janeiro deste ano, foram vistas duas. Em fevereiro não apareceu nenhuma e em março o fenômeno de duas luas cheias se repetiu. Tais fatos decorrem das imperfeições do calendário gregoriano, que anda em descompasso com o calendário lunar, segundo os astrônomos. Entre eles, a lua cheia extra, conhecida como lua azul, não desperta atenção. Mas, para quem anda preocupado com a possibilidade de o mundo acabar na virada do milênio, a lua azul é mais um sinal de alerta.

A proximidade da virada do milênio está causando uma onda de temores e profecias catastróficas. Na trilha do adágio popular "de mil passarás, mas a 2 mil não chegarás", em diversas partes do mundo há pessoas alertando sobre o fim. O assunto ganha espaço nas estantes das livrarias e na Internet, onde é possível acompanhar, em centenas de sites, discussões sobre como tudo acabará. Há poucos meses realizou-se em Tampa, na Flórida, uma Conferência Internacional sobre Profecias, de tom profundamente apocalíptico.

Um dos principais motes disso tudo é uma temível quadrinha, escrita por Nostradamus, profeta da Renascença. Ele disse há quase cinco séculos que em 1999 "do céu virá o grande Rei do terror".

Mas o que vem por aí? Os vaticínios são ruins. Fala-se em decadência de valores, surgimento de um falso papa, perseguições religiosas, renascimento do nazismo, explosões nucleares, crises econômicas, asteróides chocando-se contra a Terra e por aí afora.

Um grupo de fundamentalistas protestantes dos Estados Unidos já definiu o instante exato do início do caos. Ocorrerá no dia 1º de janeiro do ano 2000, data prevista para a ocorrência do bug do milênio, nome dado a uma falha de memória dos computadores, que os impede de reconhecer o número 2000 no calendário. Isso poderá desencadear uma série de operações ilógicas, afetando desde usinas hidrelétricas a arsenais nucleares.

Para alguns astrólogos, o caos virá um pouco mais tarde, em maio do ano 2000. Naquele mês haverá uma conjunção planetária, na qual Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno e a Terra se alinharão com o Sol - fenômeno raro, registrado pela última vez há 6 mil anos. Para os astrólogos, a força gravitacional do encontro provocará ondas marinhas gigantescas.

Embora existam várias fontes de inspiração para as profecias, trata-se essencialmente de um fenômeno cristão. A maior parte dos vaticínios origina-se da Bíblia, livro repleto de histórias extraordinárias, como a do mar que se abriu para a travessia de milhares de pessoas. É lá que se encontra a misteriosa obra do evangelista João que fala sobre o fim, denominada Apocalipse - palavra grega que significa revelação.

Mas os oráculos que ganham cada vez mais espaço na onda de previsões catastróficas não se encontram no passado e, sim, no presente. Com uma freqüência impressionante, pessoas localizadas em diversas partes do planeta garantem que estão recebendo mensagens sobre fatos extraordinários, iminentes. Os recados estariam sendo transmitidos por anjos, pela Virgem Maria e até por Jesus Cristo.

Além da freqüência, o que chama a atenção é a semelhança entre as mensagens. Pessoas do interior do Brasil falam a mesma coisa que outras de países distantes e com as quais nunca se comunicaram.

O padre Rômulo de Souza, de Aparecida do Norte, que também acompanha e coleciona por curiosidade textos divulgados pelos videntes, verificou esse fenômeno de maneira clara. "Pessoas que apenas conhecem o lugarejo onde moram apresentam mensagens idênticas às que surgem simultaneamente em outros países", disse.

Iugoslavos - Entre os videntes que hoje despertam mais atenção se encontra um grupo de seis crianças e jovens iugoslavos. Desde 1981 eles estariam recebendo comunicados da Virgem Maria. A cidade onde vivem, Medjugorje, se transformou num movimentado centro de peregrinação mundial.

Outros bastante conhecidos são a grega Vassula Rydén, que reúne em cadernos textos que estariam sendo ditados por Deus; e o padre italiano Stefano Gobbi, que não vê a Virgem, mas diz ouvi-la em "locuções interiores".

No Brasil, a Virgem estaria aparecendo para vários fiéis. Entre os mais citados estão Bento da Conceição, catarinense de Camboriú; Diogo Corrêa, de São José dos Campos, interior paulista; e Raymundo Lopes, de Belo Horizonte.

Antipapa - Eis algumas das coisas que esses videntes dizem com mais freqüência: o tempo está curto; o mundo já entrou numa era de tristezas, em que ocorrerão coisas extraordinárias. São citadas crises econômicas, fome e, invariavelmente, um período de três dias de escuridão. Satanás jogará suas forças contra a humanidade, cuja existência será ameaçada por calamidades naturais e guerras nucleares.

Os videntes também falam em disputas internas na Igreja Católica. Pelo que anunciam, o papa João Paulo II deve ser o último da história. Em alguma mensagens se afirma que morrerá assassinado. Seu sucessor será um usurpador, o antipapa, que tentará destruir a Igreja. Também surgirá o anticristo, líder mundial, que personificará a perversidade e provocará a última batalha entre o bem e o mal.

Para os crédulos, a freqüência com que essas profecias são repetidas constitui mais uma prova de que Deus está mesmo enviando alertas. Os estudiosos do assunto, porém, não pensam assim. Observando os textos dos videntes, não é difícil perceber que se originam invariavelmente das mesmas tradições cristãs e católicas.

"O cristianismo, crença essencialmente messiânica, que tem como um dos pontos básicos a volta do Cristo, influencia pessoas no mundo inteiro", observa a professora Josildeth Gomes Consorte, do Departamento de Antropologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e estudiosa do messianismo. "Isso explica por que os videntes católicos dizem coisas iguais."

Um exemplo do que ela diz são as referências ao anticristo. Trata-se de uma figura que há séculos constitui objeto de especulação dos cristãos e já foi descrita em vários textos, desde a Bíblia. O livro Mistérios e Acontecimentos Extraordinários da Bíblia, lançado há pouco pela Editora Mundo Cristão, relaciona num de seus capítulos as várias passagens que se referem ao anticristo e aponta as características atribuídas a ele. São exatamente as mesmas descritas pelos videntes.

Outro exemplo se refere às catástrofes naturais, guerras, crises, fome, escuridão. Tudo isso faz parte do Apocalipse, do evangelista João, e vem sendo reciclado pelos cristãos em diferentes períodos históricos há 2 mil anos. Os textos hoje atribuídos à Virgem Maria também guardam semelhanças com outros do passado, como o que teria sido ditado a pastores de La Salette, na França, em 1846.

Esperança e preconceito - No conjunto, as mensagens repetidas de tempos em tempos não são totalmente desesperançadas. Além dos cenários aterradores, outro denominador comum nos textos são recomendações sobre a vida dos fiéis. "Falam em rezar muito, voltar-se para Deus, participar da missa, deixar os vícios, dar atenção aos pobres, ler a Bíblia, obedecer ao papa", observa o padre Souza. "Nada disso pode ser condenado, porque é exatamente o que todos nós, padres, pregamos nos sermões."

O sacerdote católico tem razão. Mas não é tudo. Como nos sonhos, as mensagens proféticas costumam ser simbólicas, enigmáticas, o que dá origem a várias interpretações. Nem sempre são piedosas e podem variar de acordo com os interesses da Igreja ou de algum de seus grupos. Com as aparições de Fátima, em 1917, o demônio foi identificado com o comunismo, que acabava de triunfar na Rússia.

Videntes americanos de hoje vêem na prática do aborto e no uso de pílulas anticoncepcionais, contrários à doutrina da Igreja Católica, as principais causas pelas quais a humanidade seria castigada.

Nesses tempos são exacerbados vários preconceitos. Pode-se perceber isso no livro A Profetisa dos Tempos Finais, escrito pelo jornalista católico Olivo Cesca, de Porto Alegre, e lançado pela Editora Myriam. Além de reunir as profecias que Nossa Senhora estaria realizando pelo mundo, ele tenta interpretar o significado delas e, no capítulo sobre o anticristo, retoma a velha lengalenga do complô judeu para controlar os meios de comunicação no mundo.

Curiosamente, no passado o anticristo já foi identificado com Adolf Hitler e até Sadam Hussein.

Precaução - Dizer com exatidão o que vem por aí é impossível. Mas, tanto para crentes quanto para não-crentes, resta um pequeno consolo em relação à onda de profecias: num curto período será possível saber se os videntes estão certos ou errados.

"Na dúvida, nesse meio tempo, não custa atender aos pedidos e rezar", aconselha o padre Souza.

Fonte: Arquivo digital do jornal O Estado de S. Paulo


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