Tecnologia da Morte
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Fortaleza, Ceará - Terça-feira
13 de fevereiro de 2001 ![](http://www.uol.com.br/diariodonordeste/dnimg/dnbarra.jpg)
A
tecnologia da morte
Na
época, não havia computadores. No entanto, já existia a
tecnologia Hollerith, ou seja, os cartões perfurados da IBM. |
A Alemanha queria mais do que
uma sociedade ariana, almejava uma raça dominante: pessoas
altas, fortes, loiras e de olhos azuis, superiores sob os
pontos de vista intelectual e físico. A eugenia
transformou-se em culto das elites.
O livro “IBM e o
Holocausto”, do jornalista Edwin Black, lançado no último
domingo em várias partes do mundo, inclusive no Brasil,
mostra como a IBM, a maior empresa de fabricação de
computadores do mundo, colaborou estreitamente com o regime
nazista.
O cientista político Norberto
Bobbio, em novembro do ano passado, fez uma declaração trágica,
apesar de pacifista e defensor dos direitos humanos. Na ocasião,
ele recebia na cidade alemã de Stuttugart o prêmio Hegel.
Disse Bobbio:
— Não me esqueço de uma
passagem da ‘Filosofia da História’ em que Hegel define a
história humana como um imenso matadouro. É uma das visões
mais trágicas e pessimistas que conheço: a história humana
como um imenso matadouro, como se assim sempre tivesse sido e
como previsivelmente sempre deva ser.
A declaração do velho mestre
das ciências políticas cai como uma luva ao se analisar o
livro “IBM e o Holocausto”, do jornalista e escritor Edwin
Black. O livro foi lançado simultaneamente em vários países
no último domingo, inclusive no Brasil. E traz, como
profetizou Bobbio, uma história de medo e terror, de como a
humanidade aproxima-se de um grande matadouro.No livro, um
calhamaço de 584 páginas, Edwin Black desvenda a história
de um pacto sinistro. Uma parceria que levou ao assassinato
pelos nazistas de seis milhões de judeus. De um lado a IBM, a
maior fabricante de computadores do mundo; do outro os
nazistas. Neste conluio, nem mesmo o presidente dos Estados
Unidos, Franklin Delano Roosevelt e seu secretário de Estado
Cordell Hull, escapam. Tecendo a trama, o poderoso presidente
da IBM na época Sr. Thomas Watson, que exerceu o cargo entre
1915 e 1956.
Mas como a IBM ajudou os
nazistas na identificação dos judeus? Na época, não haviam
computadores. No entanto, já existia a tecnologia Hollerith,
ou seja, os cartões perfurados da IBM. Foram através desses
milhares de cartões e de máquinas tabuladoras que os
nazistas identificaram os judeus por toda a Europa.
— Várias dezenas de sistemas
Hollerith já estavam em funcionamento num pequeno número de
empresas industriais e escritórios do governo. Mas agora o
Reich de Hitler descobriu que, em busca da supremacia, era
capaz de mecanizar, organizar e controlar praticamente todos
os aspectos da vida privada e comercial do país, desde o
maior cartel industrial à mais humilde loja comercial. Da
mesma maneira como as pessoas eram categorizadas e
arregimentadas até a mais ínfima característica, também
todas as empresas alemãs seriam vasculhadas até o mais
insignificante detalhe - para melhor se amoldarem à
disciplina nazista. A economia podia recuperar-se. As pessoas
podiam voltar ao trabalho. Mas tudo seria realizado para a
consecução de uma única meta nazista, totalmente
coordenada.
Com a faca e o queijo na mão
graças à IBM, Hitler colocou em prática seu plano de pureza
racial. “A Alemanha queria mais do que uma sociedade ariana,
almejava uma raça dominante: pessoas altas, fortes, loiras e
de olhos azuis, superiores sob os pontos de vista intelectual
e físico. A eugenia transformou-se em culto das elites. Os
nazistas buscaram erradicar os elementos mais frágeis da
população, qualquer que fosse sua paternidade - mesmo entre
o seu próprio povo. Os indivíduos mentalmente enfermos,
doentes, incapazes, homossexuais, judeus, ciganos e um grupo
de desajustados, denominados de anti-sociais”.
Para a IBM a informação era
dinheiro. E a IBM era a única empresa do mundo a deter
tecnologia para a obtenção do tipo de informação que os
nazistas desejavam: a tecnologia Hollerith para a “proteção
do sangue puro alemão”.
Além de revelar passo a passo
toda a sigilosa negociação envolvendo os nazistas e os
executivos da IBM, Edwin Black, traça também um perfil
destes homens. Tanto do lado alemão - os diretores da
Deutsche Hollerith Maschinen - a Dehomag -, filial alemã da
IBM - quanto dos seus executivos nos Estados Unidos,
principalmente do seu presidente: Thomas Watson.
Thomas Watson, um negociante com
nervos de aço, muito cedo demonstrou habilidade nos negócios.
Seus meios, na maioria das vezes obscuros, justificavam os
fins. O executivo visava obter grande lucro nas negociações
com os nazistas. No fundo, ele compartilhava também com a
cartilha de Hitler. Aliás, ele era ainda um grande adepto do
italiano Benito Mussolini, precursor do facismo no mundo.
Durante anos, uma fotografia autografada de Mussolini adornou
o grande piano da sala de estar de Watson.
— Watson não era fascista.
Era capitalista genoíno. Mas na ferradura da economia política
é pequena a distância entre os extremos. O acúmulo de
riqueza pelo Estado e para o Estado, sob um poderoso líder
autocrático, fortalecido pelo culto ao herói, era algo
cativante para Watson. Afinal, seus seguidores usavam
uniformes, entoavam canções e deviam demonstrar lealdade
irrestrita à empresa sob sua liderança.Ele e a IBM, segundo
o livro de Edwin Black, isoladamente ou em conjunto, passaram
décadas ganhando dinheiro por todos os meios possíveis.
“Para tanto, infrigiram regras e incubaram conspirações.
Guerras sangrentas se converteram em meras oportunidades de
mercado. Para as entidades supranacionais, ganhar dinheiro é,
em partes iguais, darwinismo social, culto corporativo,
chauvinismo dinástico e ganância egocêntrica”.
A personalidade de Watson
casava-se bem com o nacional-socialismo de Hitler. Tão bem
que ele fez várias viagens à Alemanha e tornou-se amigo íntimo
de homens poderosos do Terceiro Reich. Edwin Black conta que
desde os primeiros momentos e durante a totalidade dos doze
anos de existência do Terceiro Reich, a IBM colocou sua
tecnologia à disposição do programa de Hitler de destruição
dos judeus e de domínio territorial. “A IBM não inventou o
anti-semitismo da Alemanha, mas ao oferecer voluntariamente
suas soluções, a empresa praticamente enleou-se com o
nazismo. Como qualquer evolução tecnológica, cada nova solução
potencializava novos níveis de expectativas sinistras e de
capacidades cruéis”.
— Quando a Alemanha quis
identificar os judeus pelo nome, a IBM mostrou-lhes como
executar a tarefa. Quando a Alemanha pretendeu usar informações
para desenvolver programas de exclusão social e expropriações
de bens, a IBM forneceu-lhes os recursos tecnológicos. Quando
os trens precisavam circular no horário, entre as cidades ou
entre os campos de concentração, a IBM também ofereceu-lhes
a solução. Em última análise, não havia solução que a
IBM não concebesse para um Reich disposto a pagar pelos serviços
prestados. Uma solução leva a outra.
O mundo levanta-se contra as
atrocidades cometidas pelos nazistas contra os judeus,
principalmente através do boicote comercial. Nos Estados
Unidos, principalmente em Nova York, sede da IBM, vários
protestos foram realizados. Mas nada disso tirou Watson de sua
férrea decisão de colaborar com os nazistas. “Os
interesses em jogo deviam ser altos para que Watson ignorasse
o gigantesco protesto de um país e desprezasse o grito de
guerra do mundo em prol do isolamento comercial da Alemanha,
pois a IBM manteve seu compromisso firme em relação à aliança
com a Alemanha Nazista”.
Edwin Black é filho de pais
judeus sobreviventes do Holocausto. Uma indagação que sempre
o preocupou era como os nazistas descobriram o nome dos seus
pais. Depois de uma visita ao Museu do Holocausto, em
Washington, em 1993, deparou-se com uma máquina IBM Hollerith
D11, de classificação de cartões - apinhada de circuitos,
escaninhos e fios. A máquina ocupava um lugar de destaque.
Depois daquela descoberta acidental, o jornalista constatou
que a International Business Machines, a IBM, se envolvera com
o holocausto. Começou a pesquisar em 1998, uma busca, segundo
ele, obsessiva. Logo, desenvolveu uma rede por todos os
Estados Unidos, Alemanha, Israel, Inglaterra, Holanda, Polônia
e França. “Com o tempo, a rede continuou a se ampliar”.
Mais de 100 pessoas participaram do empreendimento, muitas
delas voluntárias. No final, Edwin Black reuniu mais de 20
mil páginas de documentação extraída de arquivos, coleções
de manuscritos, bibliotecas de museus e outras fontes. Foram
traduzidos para o projeto mais de 50 livros e relatórios genéricos,
além de periódicos técnicos e científicos contemporâneos
referentes a cartões perfurados e estatísticas, publicações
nazistas e jornais da época.
— Muitos de nós ficamos
fascinados pela era da computação - escreve Edwin Black no
prefácio do seu livro -. Sou uma dessas pessoas. Mas hoje
estou dominado por uma nova percepção que, para mim, filho
de sobreviventes do holocausto, significa toda uma nova consciência.
Chamo-a de Era da Compreensão, à medida que olhamos para trás
e observamos a onda da tecnologia. A não ser que
compreendamos como os nazistas adquiriram os nomes dos judeus,
novas listas serão compostas, contra outras pessoas.
A preocupação de Edwin é
compartilhada por muitos humanistas. Se as primitivas máquinas
tecnológicas das décadas de 30/40 eram capazes de atuar como
armas na guerra dos nazistas contra os aliados e contra os
judeus, qual o potencial dos computadores de hoje? “As
espantosas revelações de Black sobre o passado encerram uma
mensagem pungente para o presente e o futuro”, escreve o
professor de História Moderna Bob Moore. Livros como “A IBM
e o Holocausto” são importantes na medida em que sacodem a
consciência do homem para o seu futuro. É preciso pôr fim
à preocupação do humanista Bobbio sobre a humanidade. Caso
contrário, a história continuará sendo um grande matadouro.
-- José Anderson Sandes, Editor do Caderno 3, do
Diário do Nordeste. |
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Fonte: http://www.uol.com.br/diariodonordeste/2001/02/13/030002.htm
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