Equilíbrio no debate sobre Justificação pela Fé

Caro Robson,

Preliminarmente creio que já está bastante claro e perceptível que os pontos de controvérsias que temos vistos em relação a questão do que seja Justificação, Santificação e Perfeccionismo, tem sido em grande parte (não exclusivamente), apenas uma conseqüência manifestada, assim como é uma febre, de uma “infecção teológica” existente que tem seu ponto preponderante na questão da Natureza do Homem e de como isto está relacionado a Natureza de Cristo, e suas possibilidades.

É inegável que neste assunto, o Espírito de Profecia tem ofertado uma gama de sentenças contraditórias sobre a questão da Natureza de Cristo, dos quais para exemplo de raciocínio destaco os seguintes:

1. Afirmando que Cristo NÃO tem uma natureza pecaminosa 

“Devemos ser cuidadosos, extremamente cuidadosos sobre como tratamos a natureza humana de Cristo. Não devemos apresentá-Lo diante do povo como um homem propenso ao pecado. Ele é o segundo Adão. O primeiro Adão foi criado puro, inocente, sem uma mancha de pecado sobre si; era a imagem de Deus. Poderia falhar, e falhou ao transgredir. Em virtude do pecado, sua posteridade [a de Adão] nasceu com propensões inerentes para a desobediência. Mas Jesus Cristo foi o unigênito filho de Deus. Ele tomou sobre Si a natureza humana, e foi tentado em tudo, como a natureza humana é tentada (...), mas em nenhum momento houve nele [Jesus] qualquer tendência. Ele foi assaltado por tentações no deserto, da mesma forma como Adão foi tentado no Éden.” - SDABC, vol. 5, págs. 1128 e 1129 [ênfase suprida]

“Jamais, por qualquer maneira, deixemos a mais leve impressão nas mentes humanas de que qualquer mancha, ou inclinação para corrupção, repousou sobre Cristo, ou que Ele produziu corrupção (...), seja cada ser humano advertido do perigo de fazer de Cristo um ser humano como qualquer um de nós, pois isso não pode ser” - SDABC, vol. 7, pág. 912 [ênfase suprida] 

2. Afirmando que Cristo TEM uma natureza pecaminosa

“Ele tomou sobre Sua natureza sem pecado, nossa natureza pecaminosa, para que pudesse saber como socorrer aqueles que são tentados” - Medical Ministry, pág. 181 

“Coberto com as vestes da humanidade, o Filho de Deus veio ao nível daqueles aos quais desejava salvar. Não havia nEle dolo ou pecaminosidade, Ele era eternamente puro e imaculado; todavia tomou sobre Si nossa natureza pecaminosa” - Review and Herald, 15/12/1896

Embora as sentenças do segundo grupo citadas acima apresentariam “em tese”, que Jesus tinha uma “natureza pecaminosa”, serem em si mesmas contraditórias (afirmando no mesmo parágrafo “natureza sem pecado” e “natureza pecaminosa” e não havia dolo ou “pecaminosidade” e novamente “tomou nossa natureza “pecaminosa”), caberia evidentemente um “apaziguamento” dessas sentenças controvertidas.

Temos visto algumas idéias que tem sido colocadas e defendidas sobre isso, mas não é meu objetivo aqui defender esta ou aquela posição sobre “explicações” para estas contradições. 

Na medida que os Testemunhos afirmam que “A Bíblia é nossa única regra de fé e doutrina” - Obreiros Evangélicos pg.249, “ironicamente” estas aparentes contradições fazem com que os testemunhos se tornem “coerentes”, por acabar “provando” e “comprovando” por si só, que sua própria afirmação de que a “Bíblia e ela só” deve ser a regra de fé nas questões pertinentes a doutrina, uma verdade. 

Pois bem, vamos a ela – A Bíblia, e desta forma abordar um aspecto que a despeito do claro “assim diz o senhor”, tem sido sofismado quanto a possibilidade de total ausência de pecado em nossa vida. 

Não temos dificuldades de entendermos o que significa termos uma natureza pecaminosa, pois cada um de nós, sabe no seu dia a dia o que é isso. A Bíblia é muito clara afirmando:

1. “Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe.” (Sal. 51:5).

2. Desviam-se os ímpios desde a sua concepção; nascem e já se desencaminham, proferindo mentiras (Sal. 58:3).

3. E éramos por natureza filhos da ira, como também os demais. (Efé. 2:1-3).

“O pecado que habita em mim” (Romanos 7:17 e 20) é a nossa natural inimizade contra Deus e dos valores e atributos divinos. Naturalmente somos inimigos de Deus e “inúteis” (Rom 3:12).

Este pecado é um estado de ser, uma condição, uma força intrínseca da qual herdamos por causa da queda de Adão (Rom. 5:12,18) e por sermos naturalmente seus descendentes. Este “princípio e estado de ser”, nos leva a cometer atos e ações o qual a bíblia também chama de pecado  ou obras da carne (Gal. 5:19)

Interessante notar, é que nesta condição natural vivemos “coerentemente” com nossa “inclinação da carne” que “é inimiga contra Deus” (Rom 8:7) e temos por assim dizer, um “estado de estabilidade” em nós, sem conflitos de natureza, conquanto os resultados desta “inclinação da carne é morte” (Rom 8:6)

Quando pelo novo nascimento passamos a viver em comunhão com o Espírito Santo, passamos a ter esta “estabilidade” quebrada pelo seguinte fato:

1. O Espírito Santo escreve a Lei de Deus em nosso “entendimento” e em nosso “coração” (Heb 8:10)

2. Quando passamos a ter a Lei escrita “em nosso entendimento”, um “inimigo” e “estranho” se apresenta à nossa natureza carnal, porque nossa “inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser.” (Rom 8:7).

Desta forma a “estabilidade” é quebrada e inicia-se um processo de “guerra”.

O Contexto diz que “se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele”. (verso 9). O que nos torna dEle, Cristo, é ter o “Espírito de Cristo” que é evidenciada pelo conflito que o crente passa a viver, e não uma ausência total de pecado.

Se eu tenho e vivo um conflito é por causa da presença do Espírito, de outra forma, não haveria conflito, pois minha natureza carnal seria soberana e única no meu entendimento e coração.

É obvio que para que exista uma “inimizade” entre inclinações (versos 6 e 7), ou seja, aquela que habita naturalmente “versus” aquela que é implantada pela presença do Espírito Santo, os “inimigos precisam existir”. 

Em Romanos 7:25 Paulo ao dizer “de modo que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado.", parece insinuar uma vida dúbia. Mas como se pode servir a Lei de Deus e a lei do pecado? O que significa isso?

No verso 18 e 19 do mesmo capítulo Paulo diz:

“...com efeito o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está. Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico.”

Paulo parece tentar dizer que embora o querer (a sua vontade racional de fazer) o bem esteja nele, decorrente de ter recebido a “Lei escrita” pelo Espírito Santo na mente e Coração (Heb 8:10), ele admite que cometer pecado, esta alem do fato de ter esse querer/vontade transformado pelo Espírito.

Mas como é isso possível? 

"Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico. Ora, se eu faço o que não quero [um “não querer” determinado pela sua vontade], já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim" - Rom 7:19 e 20 [destaque suprido]

Estaria Paulo culpando “algo”, “alguém” ou “alguma coisa” alem dele próprio e da sua vontade, como responsável por fazer aquilo que ele não quer fazer ou que NÃO MAIS DESEJA FAZER? Não somos nos responsáveis pelos nossos atos? É claro que somos. Mas se somos, porque a vontade parece não ser suficientemente soberana a ponto de se admitir que não se consegue fazer aquilo que, por entendimento, se sabe e deseja fazer?

Paulo admite que quem faz "já não é ele", mas algo alem da vontade dele, e ele deixa explicitamente no texto que embora tenha a Lei escrita no Coração pelo Espírito Santo, e tenha sua vontade mudada e o querer mudado, existe algo “responsável” que ele chama de pecado. Ele diz que quem faz é o “pecado que habita em mim”.

"Agora, porém, não sou mais eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim”.- Rom 7:17 

Como disse anteriormente, Paulo é explicito. Mas que pecado é esse? Seria os atos externos, do qual chamamos pecado também, ou estaria ele se referindo a alguma coisa mais perto da natureza a ponto de guerrear contra a vontade do “coração” e do “entendimento” mudada pelo Espírito Santo? Parece que atos não seriam bem o caso, pois "atos" não habitam em nós, mas partem de nós como conseqüência, de uma “inclinação carnal” que é de nossa natureza.

Paulo responde:

"Porque, segundo o HOMEM INTERIOR [à vontade, o querer], TENHO PRAZER NA LEI DE DEUS [prazer só possível pela inscrição da Lei de Deus no coração Já feita pelo Espírito']; mas vejo nos meus membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimento [Lei do meu entendimento é aquela que o Espírito Santo escreveu e que dá outro querer e vontade], e me levando cativo à lei do pecado, que está nos meus membros." – Rom 7:23  [destaques acrescentados]

Não é difícil entender que "lei do pecado em mim", "guerreando" com o centro da minha consciência e do entendimento, "que esta nos membros", "o pecado que habita em mim" que faz com que, (me desculpe os puritanos), “o mim" cometa pecados (atos e ações), esta se referindo a NATUREZA PECAMINOSA, da qual todos os nascidos de Adão são herdeiros.  

Que o evangelho exposto por Paulo mostra que a Natureza Humana pecaminosa persiste e é reinante a despeito de DESEJARMOS DE CORAÇÃO, DE VONTADE, DE ALMA, DE ENTENDIMENTO, FAZER A VONTADE DE DEUS", é evidente pelo texto e contexto.

O Espírito Santo nos habilita a termos essa vontade e ganharmos total ojeriza, nojo, repudio, asco, vergonha, ódio, repulsa em relação ao pecado, mas nossa natureza pecaminosa ainda será efetivamente Ativa.

Essa expectativa é algo desgraçado e desanimador em si, por isso ele mesmo diz "Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?" Rom 7:24.

Paulo conclui sumariamente dizendo:

"De modo que eu mesmo com o entendimento [vontade, querer, desejo, coração] sirvo à lei de Deus, mas com a carne [a natureza miserável reinante] à lei do pecado" -  Rom 7:25 

Muitos fazem crer que esse entendimento de Paulo, se referia a sua própria experiência antes de sua conversão e de ter recebido a habitação do Espírito Santo, habitação esta tal como descrita no capítulo imediatamente seguinte. Mas se isso fora verdade, como explicar ser possível haver conflito antes da presença do Espírito Santo, se o fator “desestabilizador” de nossa natureza a ponto de vivermos essa guerra descrita no capítulo 7 é justamente a habitação do Espírito Santo do qual passamos a ter a “inclinação do Espírito que é Luz” e para a vida?

E isso permanecerá até “quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade..." (I Cor 15:54), e esse se revestir se dará somente na volta de Jesus.

Enquanto isso vamos combatendo o “bom combate”, e nessa realidade temos: “Filhinhos...não pequeis”  (I João 2:1pp), possibilidade essa resultante da “inclinação do Espírito” que “é vida e paz” presente pela habitação do Espírito (Rom 8:6up).  “Mas, se alguém pecar”, possibilidade essa resultante da “inclinação da carne” que “é morte” existente naturalmente em nós (Rom 8:6pp), “temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo.” (I João 2:1up)

Para não “fugir a regra” concluo com um pequeno texto dos Testemunhos:

“Cristo é o perfeito e santo exemplo, dado para nossa imitação. Não podemos igualá-lo, mas não seremos aprovados por Deus se não O imitarmos e, de acordo com a habilidade que Deus nos tem dado, nos assemelharmos a Ele” - Testimonies, vol. 2, pág. 549 -- Silvio Barrionovo, São Paulo - SP


Sola Scriptura

Achei excelentes as colocações do irmão Sílvio Barrionovo.  Comuniquei-me com esse irmão oferecendo-lhe um excelente artigo de O Ministério Adventista, de julho/agosto de 1995, págs. 15-20, onde um de nossos pastores examina exatamente essa questão das declarações conflitantes da Sra. White sobre a natureza de Cristo e apresenta alguns dados talvez desconhecidos, de pesquisa do próprio White Estate, que lança grande luz sobre o tema.

Como não é dos que pensam que todo pesquisador adventista não-perfeccionista estaria comprometido com o "sistema" e, supostamente, em grave erro, o irmão Sílvio aceitou prontamente o meu oferecimento.

Os que não tenham acesso a tal material e desejem uma cópia, nós temos o artigo em formato de arquivo eletrônico, enriquecido ao final com um "Adendo" de nossas próprias conclusões a respeito. Basta mandar-me um e-mail solicitando e remeteremos grátis.

Também um comentário que compartilhei com o irmão Sílvio poderia ser de inspiração para outros estudantes da matéria. Eu penso em acrescentar ao meu Estudo Bíblico mais um dado que não havia ainda descoberto e, por acaso, tratando de uma matéria em que introduzo o tema da lei e do sábado para minha "clientela" de evangélicos, dei com este fato bíblico importante. Eis o comentário, com pequenas adições:

"Analisando a Bíblia eu descobri mais um ponto importante para desfazer a falsa noção de que Cristo tinha uma natureza 'pecaminosa': Lemos em Gálatas 3:13 -- 'Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito: Maldito todo aquele que for pedurado em madeiro'.

"Então fica mais claro ainda que Cristo recebeu o pecado humano, não no ventre de Maria, nem na mangedoura, porém na cruz!  Toda vez que a Bíblia fala da identificação de Cristo com o pecado humano o contexto indica a cruz, nunca a geração ou o nascimento virginal por Maria. Em 1 Cor. 5:21 o contexto da sentença, 'Deus o fez pecado por nós', aponta também à cruz, onde essa identificação tão especial de Cristo com o homem ocorreu (ver os versos anteriores, a partir do 14). Desta forma é que 'Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo'."

Espero com isso ter contribuído para o crescimento "na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" de todo pesquisador deste fascinante tema da justificação/santificação/glorificação.

Prof. Azenilto G. Brito
Ministério Sola Scriptura
Bessemer, Ala., EUA

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