IGREJA
Cardeais fazem campanha, sutilmente, para sucessão do papa

Alessandra Stanley

ROMA - O Colégio dos Cardeais se reunirá no Vaticano nesta segunda-feira com a tarefa solene de classificar os desafios que Igreja Católica Romana enfrentará no terceiro milênio.

Mas enquanto estiverem sentados no Palácio Apostólico, não distante da Capela Sistina onde elegem o novo papa, os cardeais também se parecerão um pouco como os personagens reunidos no final de um romance de mistério de Agatha Christie, olhando ao redor da sala e se perguntando: "Qual de nós será?"

O consistório de quatro dias, uma reunião que os observadores do Vaticano estão avaliando como um "pré-conclave", dá aos conselheiros do papa uma oportunidade única de fazer campanha entre seus pares.

"Toda vez que um deles se levantar para falar, os demais cardeais estarão se perguntando: 'Como ele se sairia como papa?'" disse o padre Thomas J. Reese, um jesuíta americano que escreveu "O Vaticano Por Dentro: A Política e a Organização da Igreja Católica".

A especulação sobre quem um dia assumirá o lugar de João Paulo II, que fez 81 anos na sexta-feira, tem sido freqüente no Vaticano há mais de uma década, tempo suficiente para alguns dos favoritos iniciais terem morrido. Mas o consistório, a primeira reunião de cardeais deste tipo desde 1994, reúne todos os 134 homens que têm menos de 80 anos e são habilitados a votarem no conclave papal, assim como os não eleitores, ou pelo menos todos aqueles com saúde suficiente para viajar. Em fevereiro passado, o papa nomeou 44 novos cardeais, elevando o total para 183, o maior e mais diverso colégio da história.

Uma disputa silenciosa entre os candidatos à papa já transcorre há anos, é claro. A campanha franca é um tabu, mas há formas discretas dos cardeais polirem suas credenciais, de viagens ao exterior, passando por declarações públicas cuidadosamente timbrada favorecendo um colega no levantamento de recursos, até a realização de uma missa em uma igreja local.

O cardeal Angelo Sodano, o poderoso secretário de Estado do Vaticano de 73 anos que dizem ser um candidato a papa, é um burocrata altamente eficaz, mas não é particularmente conhecido por seu entusiasmo pastoral. Mas em março passado ele fez uma rara pausa em sua ocupada agenda diplomática para abençoar os motoristas de Roma e seus carros na Igreja de Santa Francesca Romana, a santa padroeira dos motoristas.

O consistório extraordinário, o sexto deste papado, foi convocado pelo papa para discussão da carta apostólica na qual ele levantou algumas preocupações chaves em relação ao futuro, desde a compreensão ecumênica até as formas de ampliar a consulta dentro da própria Igreja Católica Romana, um assunto delicado dentro da hierarquia da Igreja.

Mas o encontro tem uma agenda extensa, e o fato de ser a portas fechadas permite aos cardeais falarem francamente -assim como influenciar as mentes dos companheiros eleitores. Os cardeais até mesmo terão a chance de testar as acomodações para o conclave no Domus Sanctae Martae, um luxuoso hotel de US$ 20 milhões (R$ 46 milhões) no território do Vaticano que foi inaugurado em 1996 pelo Papa João Paulo II, que no conclave de 1978 foi um dos 110 cardeais eleitores que dormiram em desconfortáveis celas improvisadas nas proximidades da Capela Sistina.

João Paulo II, cujo papado de 23 anos é o mais longo dos últimos 100 anos, deixou sua marca indelével na Igreja e no Colégio dos Cardeais, do qual selecionou 123 dos 134 homens habilitados a votar no conclave.

Este papa tem sido duro contra os teólogos que se afastam da ortodoxia rigorosa, e tomou decisões conservadoras em relação a questões sociais, que vão de controle da natalidade até a ordenação de mulheres. A maioria dos cardeais, selecionados a dedo por João Paulo II, compartilha seu ponto de vista, mas outros sugeriram que há espaço para mais discussão no futuro, deixando uma abertura para um candidato mais moderado que poderia ter apelo junto aos liberais sem afrontar os conservadores.

O atual grupo é geograficamente diverso, apesar de nem tanto ideologicamente.

Vinte e seis são da América Latina, atualmente um dos maiores blocos votantes, apesar da Itália ainda ser o país com o maior número de cardeais: 24.

Assim como os aficionados por beisebol, os "vaticanisti", como são conhecidos na Itália os especialistas em Vaticano, são capazes de transformar números estatísticos em elegantes teorias sobre como o próximo conclave poderá votar.

O fato dos não-europeus terem no momento uma forte presença no colégio poderia atuar em favor de um cardeal capaz de ampliar a penetração da Igreja no Terceiro Mundo. Os cardeais da América Latina, a região com o maior número dos 1 bilhão de católicos do mundo, são analisados atentamente, especialmente o cardeal Norberto Rivera Carrera, 58 anos, do México.

Também é citado o cardeal Oscar Andres Rodriguez Maradiaga, 59 anos, de Honduras, nomeado em fevereiro, devido tanto à sua experiência como pastor que defende os direitos do pobres, quanto por ser um habilidoso comunicador que dominou a delicada arte de sinalizar sua aptidão para o cargo negando qualquer interesse nele.

"Só o Espírito Santo sabe", ele disse sorrindo e afastando as perguntas sobre suas chances no próximo conclave. Seus apoiadores hondurenhos pressionaram um pouco o Espírito Santo exibindo faixas promovendo "João Paulo III" quando o candidato deles recebeu em fevereiro seu barrete vermelho na Basílica de São Pedro.

"Eu não me considero 'papabile'", contestou o cardeal, usando a palavra italiana para alguém que é visto como possível papa. "Eram apenas palavras de alguns amigos".

Mas alguns poucos são mais sem cerimônia. "Nós rezamos a Deus para que nosso papa ainda viva por muitos anos, mas participar de um eventual conclave é uma parte importante de nosso trabalho", disse o cardeal Ignacio Antonio Velasco Garcia da Venezuela quando recebeu seu barrete vermelho em fevereiro. Ele também disse que já é hora de um papa latino-americano.

O cardeal Francis Arinze, um nigeriano de 68 anos que foi convertido do animismo por missionários iranianos e agora é o encarregado pelas relações do Vaticano com outras religiões, também está na lista de candidatos -como um azarão. Ele acompanhou João Paulo II pela Grécia, Malta e Síria.

Bem humorado mas tímido diante da imprensa, Arinze segue rigorosamente a etiqueta dos cardeais. Perguntado sobre sua contribuição à primeira visita de um papa a uma mesquita, ele sorriu benignamente. "Outros fazem o trabalho e depois me dão o crédito", disse ele durante o vôo para Damasco.

Autoridades da Igreja que trabalham de perto com os cardeais dizem que a maioria genuinamente não aspira um cargo tão exigente. Mas reconhecem que a natureza humana não muda mesmo quanto coberta sob mantos escarlates. Os cardeais podem ser comparados aos senadores americanos, muitos dos quais não se consideram aptos à presidência até olharem atentamente seus pares que possuem tal anseio.

O conclave às vezes é guiado pela geopolítica, como ao selecionar após séculos um papa não-italiano em uma época em que o mundo estava dividido pelo comunismo. A eleição de um azarão, o cardeal Karol Wojtyla da Polônia, confundiu os vaticanisti que subestimaram suas extensas viagens além da Cortina de Ferro.

De lá para cá as prioridades da Igreja mudaram. Os católicos de hoje parecem divididos entre aqueles que preferem um zelador flexível (leia-se italiano) que possa domar a inchada Cúria Romana e se concentrar nos problemas internos da Igreja, e aqueles que querem alguém capaz de ampliar o alcance mundial e carismático de João Paulo II.

"Eu calculo em 80% as chances da América Latina", disse Wilfried Guy-Lacari, o embaixador canadense na Santa Sé e um ávido estudante das tendências no Vaticano. "Mas está muito claro que os italianos estão trabalhado religiosamente para desviar tal tendência na direção de um deles".

Os cardeais italianos mais freqüentemente mencionados como "papabile" abrangem algumas das principais autoridades do Vaticano, como Sodano, e também alguns dos arcebispos italianos mais conhecidos. Muitos católicos progressistas defendem o cardeal Carlo Martini, o arcebispo de Milão de 74 anos, que pediu a realização de um Concílio Vaticano III para reexaminar o papel da mulher e dos padres. No sínodo dos bispos europeus de 1999, ele suscitou a necessidade de uma maior "colegialidade", uma palavra código para um controle menos rígido de Roma sobre as igrejas locais.

Em uma rara demonstração de escaramuça aberta, o cardeal Dionigi Tettamanzi, o arcebispo de Gênova de 66 anos, desprezou a sugestão de seu colega, dizendo que "ela não encontrou aceitação nenhuma dentro do sínodo". Todavia é bem provável que o tópico seja apresentado no consistório.

Martini disse que deseja se aposentar quando fizer 75 anos, e retomar o trabalho teológico em Jerusalém. Mas seus apoiadores dizem que isto não significa que ele esteja fora da disputa.

"Ninguém deseja um longo pontificado", disse o padre Charles J. Vella, um maltês que é o capelão do hospital católico de Milão. "Eles querem um papa mais velho mas com saúde que possa fazer a curto prazo o que João XXIII fez pela Igreja. O cardeal Martini pode não ser capaz de agradar às multidões como Wojtyla, mas é um líder notável".

No ano passado, Tettamanzi sinalizou sua própria capacidade de lidar com as comunicações modernas ao divulgar um catálogo de 635 páginas de ensino católico pela Internet.

Ninguém acredita que um cardeal americano (há 11 cardeais eleitores dos Estados Unidos) poderá ser eleito, principalmente porque a maioria dos demais cardeais já consideram que a última superpotência restante já possui influência global demais.

"Da última vez que uma superpotência ficou com o cargo, o papado se mudou para Avignon", disse Reese, se referindo à França do século 14. "Estes cardeais não querem que o próximo papado vá parar em Orlando".

Tradução: George El Khouri Andolfato
Fonte: www.uol.com.br/times/nytimes/ny2105200102.htm 

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