RELIGIÃO
Questões delicadas emergem enquanto cardeais discutem futuro da Igreja

ALESSANDRA STANLEY

ROMA - À medida que 155 cardeais da Igreja Católica chegavam ao Vaticano na segunda-feira (21) para quatro dias de reuniões a portas fechadas sobre o futuro da Igreja, algumas das questões mais delicadas que eles teriam de enfrentar começaram a ser mencionadas em público antes mesmo que a primeira das sessões de discussão se iniciasse.

Pelo menos um dos cardeais chegou ao encontro ávido por contestar o crescente poder que a burocracia do Vaticano parece ter adquirido sobre as operações da Igreja.

"O papa é prisioneiro dos círculos que o cercam e o mantém isolado das fileiras mais humildes da Igreja", declarou o cardeal Aloísio Lorscheider, 76, do Brasil, em uma entrevista concedida na segunda-feira ao jornal católico francês "La Croix". Mais tarde, ele repetiu essas opiniões diretamente aos seus colegas e ao papa na reunião da tarde. "As decisões do Concílio Vaticano II não estão sendo aplicadas, e todos nós sofremos, nas bases, com uma burocracia distante que se revela cada vez mais surda aos nossos problemas", disse ele.

A necessidade de um processo de decisão mais "colegial" -uma palavra código para mais democracia na Igreja- é uma das muitas questões que o papa inseriu na agenda do Colégio dos Cardeais esta semana. Eles discutirão também o ecumenismo, o diálogo entre as religiões, questões de tecnologia e reprodução humana, a necessidade da santidade na vida cotidiana e a evangelização no terceiro milênio.

Mas na sessão "aberta a debates" da tarde, como a descreveu o cardeal Lubomyr Husar, o líder da Igreja Bizantina Católica da Ucrânia, diversos dos cardeais presentes concentraram suas declarações na necessidade de que Roma seja mais atenta às necessidades das igrejas locais.

O cardeal Bernard Francis Law, arcebispo de Boston, sugeriu que os líderes da Igreja passassem a se reunir com o papa em base anual. Atualmente, sínodos de bispos acontecem a cada três anos, enquanto o Colégio dos Cardeais se reúne exclusivamente quando o papa convoca encontros como o que está acontecendo em Roma.

"Nós retornamos por diversas vezes à idéia de que encontros em base regular são precisos", declarou o cardeal Husar, "para dar uma chance ao Vaticano e ao Santo Padre de entrar em contato mais direto com aquilo que está acontecendo na base e nas igrejas".

O papa João Paulo 2º, 81, que presidiu à sessão em um moderno salão de conferências do Vaticano, fez uma declaração de abertura e depois ouviu os comentários feitos por mais de 35 de seus assessores, traduzidos para o inglês, francês, alemão, italiano e espanhol.

A reunião é formalmente conhecida como um consistório extraordinário, e é a sexta realizada nos 23 anos de João Paulo II à frente da Santa Sé, e a primeira de 1994 para cá. Dessa vez, o papa disse que gostaria de mapear a futura rota da Igreja Católica. "É uma questão de colocar na mesa os princípios, os objetivos missionários e os métodos e meios mais adequados a atingi-los", declarou João Paulo 2º.

O papa, que indicou 44 novos cardeais em fevereiro, criou o maior Colégio de Cardeais na história da Igreja, com 183 membros. Destes, 134 têm menos de 80 anos e portanto têm o direito de votar o conclave que elege os papas. Porque número tão grande dos cardeais é composto por novatos -94 deles foram sagrados cardeais depois do último consistório-, os príncipes da Igreja, como são tradicionalmente conhecidos, estavam usando crachás com os seus nomes, na reunião de segunda-feira.

O estado frágil de saúde do papa fez com que os observadores mais familiarizados com o Vaticano passassem a encarar o consistório como uma espécie de pré-conclave, uma oportunidade para que os cardeais se avaliassem uns aos outros e talvez pensassem sobre quem, dentre eles, seria o futuro papa ideal. "Esse evento é uma espécie de oportunidade para que todos se conheçam", declarou o cardeal Husar, que foi sagrado em fevereiro e disse que conhecia pessoalmente apenas cerca de um quarto dos líderes presentes à reunião. "De manhã, eu estava pensando que se isso fosse um conclave, como eu saberia quem é quem?" E acrescentou: "Depois pensei que o ideal seria eu resolver esse problema se e quando ele se apresentar".

Os discursos de abertura e a maior parte das intervenções espontâneas dos presentes tratavam, lealmente, das questões que o papa João Paulo 2º já havia exposto em uma carta apostólica.

Mas algumas das metas mais ambiciosas do papa para o futuro, como pôr fim ao cisma que separa as igrejas Católica e Ortodoxa desde 1054, foram questionadas, delicadamente. Na Grécia, este mês, o papa se desculpou pelos crimes cometidos pelos católicos contra a Igreja Ortodoxa Grega.

O cardeal Ignace Moussa I Daoud, um católico bizantino sírio, era um dos diversos que desejavam que o caminho da reconciliação fosse trilhado de maneira delicada, de acordo com o cardeal Husar.

Já o cardeal William Henry Keeler, arcebispo de Baltimore, declarou que a Igreja deveria usar a mídia e a tecnologia modernas de maneira mais agressiva a fim de difundir sua mensagem evangélica.

Mas na segunda-feira, a tecnologia parecia soar uma nota um tanto dissonante. Durante um momento de contemplação silenciosa logo depois das orações da manhã, o telefone celular de um dos cardeais tocou.

Tradução: Paulo Migliacci
Fonte: www.uol.com.br/times/nytimes/ny2205200103.htm 

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