Os Rumos da Igreja Católica Depois do Consistório
Cardeais desenharam o perfil da instituição para o futuro, no maior encontro do Colégio Cardinalício da História

RODRIGO LOPES

Missão: cardeais escolherão o Pontífice do novo século após a morte ou a renúncia de João Paulo II (foto AP/ZH)

O sucessor do papa João Paulo II, 81 anos, ainda não tem nome, idade ou nacionalidade, mas já tem uma missão: neste século 21, aproximar a Igreja Católica dos pobres e, internamente, torná-la mais democrática.

Estes foram, em síntese, os desafios lançados durante o maior encontro de cardeais da história da Igreja, realizado semana passada, no Vaticano.

No consistório, que durou quatro dias, João Paulo II pode ter cumprimentado, sentado à mesa e até trocado rápidas palavras com seu sucessor, mas as especulações sobre o perfil do futuro herdeiro do trono de São Pedro não passaram de um assunto tabu. Pelo menos oficialmente.

– Aqui há mais de 150 cardeais, com certeza está por aí o futuro Papa. Quem sabe? O Espírito Santo – disse o cardeal mexicano dom Juan Sandoval Iñiquez.

Por mais que tenham tentado desconversar, porém, é praticamente impossível que o tema não tenha motivado bate-papos informais nos corredores do Vaticano, uma vez que um dos principais objetivos de João Paulo II ao convocar o consistório era exatamente possibilitar que os cardeais – que elegerão o seu sucessor – se conhecessem melhor.

O Papa, que desejava “luzes sobre as novas prioridades missionárias e métodos de trabalho mais apropriados”, foi atendido em alguns dos pontos principais no encontro (veja quadro nesta página). Nas reuniões plenárias, cerca de cem dos 155 cardeais presentes ao consistório expuseram os problemas de suas regiões e traçaram um perfil da Igreja no século 21.

Temas como o diálogo inter-religioso e o ecumenismo dominaram as discussões e foram considerados vitais para a instituição, que se defronta com o crescimento de seitas. Como desafios, os cardeais elegeram a “humanização da globalização” – a globalização foi vista como um fenômeno com pontos positivos e negativos – e o fim dos conflitos mundiais.

A forte influência demonstrada pelos cardeais latino-americanos – principalmente os oito brasileiros – no consistório atiçou as especulações de vaticanistas (especialistas em assuntos relacionados ao Vaticano). Para eles, o Papa do Terceiro Milênio poderá se chamar João Paulo III e vir do Terceiro Mundo – já se fala que possa ser um africano ou um latino-americano. O candidato africano mais cotado é o cardeal nigeriano Francis Arinze. Entre os 27 latino-americanos, destacam-se vários nomes.

Para especialistas, a sucessão de João Paulo II está na ordem do dia não apenas devido à fragilidade da saúde do Pontífice e aos seus 81 anos, mas também pela aproximação do fim de um estilo papal centralizador. João Paulo II atraiu para si todas as ações da Igreja e colecionou recordes. Estabeleceu uma relação direta com os fiéis, conquistou os jovens e implantou a Internet na Santa Sé. Recebeu o Dalai Lama, abraçou ortodoxos, dialogou com rabinos, foi o primeiro Papa a visitar a Grécia desde o Grande Cisma, em 1054, e o primeiro Pontífice a entrar em um templo muçulmano.

Segundo vaticanistas, neste século o mundo verá, provavelmente, um movimento de descentralização desse poder. Mas a personalidade marcante de João Paulo II será levada em conta pelos cardeais, que escolherão um novo Pontífice capaz de manter essa comunicação e um carisma que apareça no vídeo e nas fronteiras. O próximo Papa, dizem as pesquisas, deveria ser não muito velho, mas tampouco jovem demais; tradicional, mas aberto aos problemas do mundo; rigoroso, porém generoso, popular, comunicativo, capaz de falar várias línguas e de rejuvenescer a Igreja.


Entrevista: Dom Dadeus Grings
“O maior desafio é a evangelização”

Com a autoridade de quem trabalhou seis anos na Secretaria de Estado do Vaticano, o arcebispo de Porto Alegre, dom Dadeus Grings, fala com naturalidade sobre a sucessão papal. Ele acredita que o consistório realizado semana passada foi uma oportunidade para os cardeais se conhecerem. Na tarde da sexta-feira, dom Dadeus concedeu a seguinte entrevista a Zero Hora:

ZH – Qual é o maior desafio da Igreja Católica no Terceiro Milênio?

Grings – O maior desafio sempre é a evangelização. Os apelos são muitos. A Igreja às vezes fica meio apagada.

ZH – O consistório mostrou que a América Latina tem hoje mais influência no Vaticano?

Grings – Até o Concílio Vaticano I, as distâncias eram muito grandes. Parecia que a Igreja Católica era a Igreja da Europa. Só no século 20 começou-se a ter perspectivas continentais. E, cada vez mais, as igrejas dos continentes começarão a ser valorizadas.

ZH – Até que ponto o consistório foi um ensaio para um conclave?

Grings – O Papa quis evitar que os cardeais tenham a surpresa de aparecerem em um conclave sem se conhecerem. O consistório ajuda, porque cada um já fica com a antena ligada para o futuro Papa. Prepara-se para uma eleição. Lá, podem surgir lideranças.

ZH – Então o senhor acredita que a sucessão foi discutida no consistório?

Grings – Sim, mesmo que indiretamente, eles já estão buscando um consenso em torno de algum nome. Para não serem pegos de surpresa. Quando morre um Papa, fica um pouco difícil de, naquela hora, começar tudo do nada.

ZH – O senhor acredita que o Papa possa renunciar?

Grings – Acho muito difícil, primeiro porque o Papa é uma figura de destaque mundial, tem uma personalidade muito forte e é o chefe supremo da Igreja. Ele não teria a quem entregar o posto. Não pode entregar aos cardeais, porque eles não estão acima dele. Se renunciasse, criaria um certo embaraço. Alguns cardeais diriam: “Vamos ficar fiéis ao velho ou vamos seguir o novo?”.

ZH – O senhor acredita que o próximo Papa poderá ser latino-americano?

Grings – É difícil saber quando, mas um dia vai ser. A Providência Divina escolhe o Papa de acordo com as necessidades de cada região.

DESAFIOS E CONCLUSÕES

Veja abaixo alguns dos principais temas discutidos no consistório:

Descentralização
Aproximar a Santa Sé das igrejas locais.

Família e sexualidade
Os cardeais discutiram as pressões sofridas pelos governos para que aprovem leis em favor do aborto, considerado pecado pela Igreja. Os religiosos afirmaram que o uso da biotecnologia para a manipulação de embriões é “um ataque aos fundamentos da família”. A Igreja convidou especialistas de várias disciplinas a elaborarem uma espécie de cartilha sobre sexualidade, “à luz das mudanças sociais sobre o tema”.

Globalização
Embora considere que a globalização possibilita a aproximação de culturas e povos, a Igreja criticou a concentração de renda provocada pelo fenômeno. Para o Vaticano é necessário “humanizar a globalização”.

Preocupação
Expansão das seitas.

Guerras e conflitos
O Papa e os cardeais fizeram um apelo pela paz, mostrando-se especialmente preocupados com a onda de violência no Oriente Médio e com os conflitos étnicos na África.

Missionários
Maior compromisso missionário com os pobres.

Meta
Fortificar o ecumenismo e o diálogo inter-religioso

Fonte: http://200.213.26.117/editoria/mundo/pagina1.htm (Zero Hora Digital - 27/05/01)

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